I Wanna Be Adored - Parte I

Não era o trabalho mais agradável do mundo, mas ele não deixava que meu nome fosse para instituições de recuperação de crédito. Eu era frentista no posto de gasolina que tinha como dono um japonês atarracado e mal-humorado, porém justo, gente, fina, gente boa, mão aberta e legal pra cacete. Não é puxa-saquismo, longe disso, não, é que ele também era extremamente contra a arte da paquera em horário de trabalho. "Pode manchar a reputação do posto, macular a nossa seriedade e respeito para com o cliente", dizia ele. Pra ele era fácil manter essa imagem trabalhando trancafiado na administração com a esposa ao lado. Quanto a nós, da linha de frente...

O impeditivo contra as paqueras em horário de trabalho não era a ordem explícita do patrão, mas sim o próprio cheiro de gasolina e graxa que impregnava as mãos, o rosto cheio de suor e pó e fumaça e a correria entre um carro e outro e aquele uniforme broxante. Digamos que dificultaria um pouco para dar aquela flertada com alguma mulher cheirosa. "Porra, como assim, eu aqui maravilhosa e você com essa cara oleosa, com esses pêlos do peito pulando pra fora da camisa!? Não, sai fora. Põe R$10,00 e finge que isso não aconteceu"- eu ouvia tais palavras saindo da boca delas quando na realidade somente a parte do valor e do tipo de combustível penetravam de fato nos meus ouvidos.

Era uma franquia da maior marca de combustíveis do País. E do mundo. E a veiculação de propagandas na televisão era extensa e torturante. Eu odeio televisão. A maioria lá odeia. A empresa, ciente de que seus funcionários pouco tempo tinham para tal lazer doméstico, lançou um DVD com todas as propagandas da temporada para que assistíssemos em momentos mais tranqüilos. Sabe como é, precisava rolar uma interação com os clientes...

Um sol do inferno e um mau humor do cão e um cliente que quase me atropela e entra na pista com o som ligado e estaciona de qualquer jeito. Coloca os óculos escuros na testa, me estende o molho de chaves. Estico o braço pra pegar e ele retira a mão do meu alcance e diz: "Só dou se você fizer aquela dancinha igual a do comercial da TV". E dá risada sozinho. A aliança de casado dele refletia o sol direto no meu olho. Olhei pros lados e soltei com voz baixa: "Você veio abastecer o carro ou veio pra balada?". Ele murchou o sorriso, falou quanto e o quê queria, pagou e foi embora. Uns inúteis desse tipo que costumam foder com a porra da vida! Como uma mulher se sujeitava a casar com um infeliz desses? Como aquele infeliz tinha um carro daquele?

Olhei o relógio e pedi uns minutos pra ir ao banheiro. Faltava pouco pra cliente mais gostosa aparecer pra encher o meu tanque de fantasias libidinosas. E colocar uma merreca de gasolina no carro também. A safada gostava de chegar, sair do carro e conferir in loco se a gente estava colocando direitinho a gasolina no carro dela. Era enfermeira, médica, sei lá; estava sempre de roupa branca apertada. De baixa estatura, com umas coxas tamanho mamute e uns peitos que davam a impressão de explodir a qualquer momento, de tão grandes e tão apertados num suntuoso e pequeno e mortal decote. Era casada. Então, eu lavava o rosto pra ficar com a aparência menos deplorável.

Já fazia um bom tempo que todos se encarniçavam para ver quem atenderia ela. Os gracejos de sua garganta nos enchiam a alma de alegria. "Põe vinte de álcool?". "Me dá uma Coca Light?". Ah, mulher maravilhosa! E todo mundo esperava ansioso pelo dia que ela pediria pra trocar o óleo. Era sempre lucrativo para nós ter uma cliente tão fiel! Sempre comendo um chocolatinho, uma Coca, uma batata, um halls; sempre saindo do carro pra conferir nosso serviço. A vida fazia mais sentido ali, com ela dando o ar da graça. E já fazia um bom tempo também que todos perceberam que eu era o queridinho dela. Fazia questão do meu atendimento, da minha pró-atividade e do meu 'boa tarde doutora'. Devia gostar de ser chamada de doutora.

Teve um dia que ela não saiu do carro. Entregou o cartão de débito na minha mão com um papel enrolado e falou: "Passa lá pra mim? A senha tá no papel". Eu fiquei boquiaberto e prontamente me recusei. Ela insistiu e deu uma piscadinha sem vergonha que me derreteu inteiro. Ela sabia que a máquina não era conectada a cabos ou tomadas. Burrice, a minha. Fui até a máquina e desenrolei o papel. Uma letra de adolescente que escreve com o caderno na horizontal.

"Sabe que eu adoro esse seu jeito!?

Comprei esse celular especialmente para receber a sua ligação. Só você tem esse número. Vou esperar.

Um beijo bem gostoso nesse seu pescoço de HOMEM!

Ass: Alê"

Dobrei o papel com cuidado, guardei no bolso da calça, fui até ela com a máquina e com o cartão, fiz a operação de praxe, dei uma olhada bem funda nos olhos dela e uma olhada bem profunda em seu decote e naquela bunda esparramada no banco do Volkswagen, me despedi, fiquei olhando a placa do carro sumir ao longe, pedi mais dez minutos, fui ao banheiro e soquei uma nervosa e bem apertada.

18/11/2010

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 08/06/2011
Código do texto: T3022383
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