Por acaso
Por acaso
Aquele cara sempre fora ligado à natureza, mas fazia um bom tempo que não elevava o rosto para perceber uma nuvem diferente, sentir uma brisa tocando o rosto, ou simplesmente andar descalço na areia no fim de tarde. Mas naquela manhã de inverno, algo reativou seus desejos de curtir sutilezas.
Cara a cara consigo mesmo, olhou o rosto com rugas na testa, conseqüências de uma fotofobia, a barba por fazer. Fitou dentro dos próprios olhos como se procurasse, como se não se permitisse se encontrar com si mesmo há décadas.
- O tempo passou rápido rapaz – Disse olhando para o espelho. Pegou o creme de barbear despejou uma porção na própria mão e começou aplicar no rosto. Um cheiro bom invadiu o ar. Tomou o barbeador e lentamente foi roçando a floresta espinhosa. Passou a mão pelo rosto pra sentir o resultado do trabalho e gostou. Em minutos foi para o chuveiro. A água caindo dava uma sensação de tranqüilidade. Há tempos se sentia pesado e sem disposição, mas aquele dia alguma coisa que ele nem entendia direito o estimulava, empurrava para a rua, um sopro de juventude enfunava as velas do velho cansado barco da vida.
- Bom dia garoto – Falou com o jardineiro do condomínio, que assustou-se, afinal o cara passava quase sempre de cabeça baixa e resmungava algo parecido com bom dia. O belo sol e um vento forte eram um grande convite a uma mudança de planos para um dia cheio. Sacou o celular e fez várias ligações, desculpas esfarrapadas para justificar a ausência até o fim do dia. O flat de frente para a praia era uma tentação irresistível. Atravessou a rua, sentou-se num banco e pediu um coco, no que foi atendido prontamente.
- Gelado ou natural doutor?
- Natural é melhor – Respondeu para o simpático vendedor.
- O dia tá bonito hoje chefia.
- é verdade.
- Você é novo por aqui. Nunca vi você.
- é, sou sim. Atravessei a cidade pra chegar aqui e dei sorte. Essa é minha primeira venda.
- Legal. Boa sorte!! – Paga o valor acima do normal para o vendedor e se afasta caminhando lentamente. Já estava há uns trinta metros quando foi chamado atenção pelo vendedor.
- Doutor, você meu sorte e eu desejo que o seu dia também seja de sorte. Deus lhe pague!!!
- Sorriu meio sem graça, agradeceu com um aceno e seguiu caminhando. Foi virando-se para frente e esbarrou numa jovem com os braços cheios de pacotes que se esparramaram pelo chão.
- Me desculpe – Disse abaixando-se para apanhar os pacotes.
- Não precisa senhor, eu que preciso prestar mais atenção para onde ando.
- A culpa foi minha estava olhando para o outro lado e não percebi que estávamos em rota de colisão.
Ela esboça um sorriso, mas mantêm-se discreta ajuntando o último pacote. Ele, sem graça, não sabe como se desculpar.
- Posso ajudar de alguma forma? Podemos lanchar? Posso dar uma carona, moro aqui perto – Não sabia o que fazer para agradá-la.
- Meu dia começou atrapalhado. Não quero incomodar.
- Não incomoda, tirei o dia para não fazer nada.
- Mas assim vai mudar seus planos.
- De jeito nenhum. Posso levá-la onde você quiser.
Ela sorriu pela primeira vez, fitando-o com atenção deixando mostrar os olhos cor de mel.
- Você tem belos olhos – Ele fala sem que ela responda com palavras, mas deixando um leve sorriso nos lábios.
Ele entra no carro, mas antes toma os pacotes e abri-lhe a porta aconchegando-a no banco do carona. Trava as portas, liga o ar e pela primeira vez sente o perfume dela invadindo o ambiente do carro, liga o som e deixa rolar uma antiga do Simply Red.
- Adoro Simply Red – Diz ela colocando o cinto.
- Para onde vamos ?
- Fica um pouco longe.
- Hoje estou à sua disposição.
- O senhor é muito simpático – Ele ouve e freia o carro bruscamente assustando-a.
- Senhor? – Pode me chamar de Rudson, muito prazer – Falar estendendo a mão.
- meu nome é Prala, grande prazer.
- De onde vem a origem deste nome?
- Meu pai era indiano, minha mãe brasileira. Ele me deu o nome.
- Eu acho que meu pai foi aos EUA e gostou tanto do Rio Hudson, que trocou só uma letra.
- Curioso – Diz ela sorrindo, mostrando os belos dentes.
- Nossa, finalmente um sorriso, ganhei meu dia. Mas afinal para onde vamos?
- Vamos ao bairro boa nuance. Preciso deixar o material para a escola do meu filho.
Ele vira-se rapidamente com se tivesse levado um susto.
- Você tem um filho ?
- Sim, o Gabriel, um menino lindo!
- Imagino. Então vamos lá – Acelera e continua conversando.
- Quantos anos ele tem?
- 6 anos.
- Ok, então vamos à escola de Gabriel.
Acelera e logo chegam à escola.
(fim do primeiro capítulo)