A testemunha de uma dor
Sou uma borboleta azul, amo flores lilás, sou testemunha de um luto, minhas asas foram contornadas de preto. Esse luto silencioso me comove; anda de um lado para o outro e fala com o espelho, como se seu reflexo fosse uma amiga íntima; sofre por uma morte, posso dizer que parece a sua; um temporal que destrói tudo que construiu. Ela tem rugas feitas pelo canivete da dor; abortou o amor, assassinou o sonho de toda existência e aprisionou a esperança; a noite veste-se de preto; de dia veste-se do colorido da alegria, alegria que perdeu seu trono e todo o seu reino para a senhora implacável chamada tristeza. Ela passa a mão nos cabelos, morde os lábios, se contorce intimamente de dor, não come, nem dorme. Pensou em fumar, mas logo abandonou a idéia, sua alma já estava manchada de negro, qual a vantagem de deixar neste tom sombrio também o pulmão?Pensou em beber- um coquetel de calmante, rum e excitante, mas do que adiantaria, quando acordasse a dor e o luto ainda estariam hospedados no seu ser. Sinto pena dessa flor formosa que dia a dia perdeu as pétalas e que tem por coração um casarão abandonado, com as teias das lembranças e os morcegos do desamor. Como queria sussurra-lhe, segurar-lhe a mão e dá minhas asas para que voasse livre para novos horizontes. Os dias são lentos e torturantes; sua alma é uma folha levada ao vento, uma morta viva; às vezes chego a pensar que ela vai se isolar num mundo próprio e nunca mais sairá de casa. No entanto quando o dia amanhece ela ressurgi das cinzas, coloca sua máscara, parafusa seu sorriso e sai do casulo parecendo uma linda e feliz borboleta.
Há! Se eu pudesse libertar-me dessa moldura sairia da parede, abriria as janelas para que a luz do luar banhasse a alma desse ser tão solitário. Levaria o amor onde só vejo desamor; felicidade para essa alma infeliz. No entanto nada posso fazer, sou uma linda testemunha aprisionada na moldura de um quadro.