JEOVÁ ENTRE DOIS: ENTRE DOIS, JEOVÁ

Na cidade de Santo Amaro [a baiana], Jeová afoga suas mágoas e desilusões num copo atrás do outro de pinga, mandando-a pra dentro sem titubear. O bar do “Domas” fecha às 20h e o pequeno homem, desiludido de todo um mundo, já trocando as pernas, pega sua sacola e passa na larga rua “Céu”. Precisa de paz, de uma “verdade”, de uma salvação, de uma resposta para seus devaneios. Avista uma batucada de um lado – “deve ser pagode” – e uma música em altos gritos do outro – “deve ser ópera”. Fica em dúvida para qual lado seguir.

Julgado como um senhor sofisticado, dos saberes mais ocultos e companhias mais poderosas, adentra a manifestação que julga ser da classe miúda e tem duvidas se já é carnaval em pleno agosto de 1995. Lá, acolhido por Mãe Dandara, que rapidamente cuida de lhe orientar dizendo que o desnorteado homem estava num terreiro de candomblé, Jeová decide desafiar a si mesmo para saber se, lá, encontra sua ambicionada paz, num mundo de guerras e desavenças. Vê danças bonitas, abraços sinceros, dizeres simples e emotivos, rodas feito um carrossel. Sente a inocência dum menino, a paz dum recém-nascido. Chora e envergonha-se, levanta num solapo e vai embora. Atravessa a rua, cambaleando pela pinga, emoção e ritmo da música.

Entra no “salão de ópera”, julga ser uma confraria de nascidos em Israel, se esconde na bandeira, se admira com o tamanho e a beleza, se assusta com o Enoque, pastor que faz o som: “Quem escolher aquela ao outro lado da rua estará indo para o inferno, lugar de lago de fogo e enxofre, vai pro lado do Cramunhão!”.

Chora de saudade da mocidade, sente-se um adulto. Morde a sacola e a bandeira, vai correndo pro “batuque”.

Escolhe por onde a paz lhe tiver: pelo terreiro, pelo candomblé. Um som vem vindo do outro lado da rua: que há sempre quem rejeite a dureza da “verdade”. Escuta ao fundo: “Jeová é amor, mas também, é fogo consumidor”. [?]

Tristes respostas do outro muro.