Delírium



Jornal Evolução,Segunda, 30 de maio de 2011 00:00

Henri levantou pelas 11 da manhã daquele sábado com uma ressaca danada, fazia frio e o início de outono mal começara.

Vestiu seu vistoso robe atoalhado azul com dois bolsos frontais.

Sentiu-se mais confortável e aquecido, olhou para o quarto do casal, Aidée  ainda dormia.

- Maldito whisky nacional (pensou).

Ah...Henri era um advogado decadente, constantemente de porre e quase sempre com um maldito charuto fedorento na boca...

Aidée era sua mulher, morena clara, ainda atraente aos 45 anos de idade, embora sensível, depressiva e asmática.

Muitas vezes em suas alucinações, bebedeiras madrugada a fora ele gritava imprecações da sacada do 23º andar e lançava garrafas de whisky e de cerveja sobre a calçada.

Também urinava lá de cima e atirava bitucas de charutos e cigarros sobre o toldo da loja no térreo, fora advertido muitas vezes pelo senhorio, sem solução...

Mas não era ele o todo poderoso a quem vinham recorrer com suas mazelas jurídicas a resolver?... deviam-lhe muito estes pulhas do prédio.

Nada o atingia, a autoridade máxima ali era ele, somente ele, bolas, os outros que deixassem as futricas de lado.

Henri colocou duas fatias de pão na torradeira e preparou o café da manhã (um pouco de conhaque na xícara fervente...)

Lambiscou as torradas e tomou o café num gole só.

A chama ardente percorreu suas veias causando-lhe um arrepio.

Olhou de esguelha para o espelho na copa e inquietou-se...suas mãos tremiam.
- Acho que preciso me refazer!

Acendeu o charuto fedorento e serviu-se de uma dose de whisky on the rocks...
- Jack Daniel’s é com certeza revigorante, melhor que cocaína (pensou) e serviu-se de mais uma dose e de outras mais..., repentinamente escureceu.
Aidée ainda “dormia” profundamente.

Henri estava agora em seu lugar favorito – a sacada no 23º andar...bebendo e observando o movimento lá em baixo,

Lembrou-se do dia que teve uma briga feia com Aidée e tentara esganá-la depois de esbofetear-lhe muito no quarto do casal.

- Ah...pensou, que tempos aqueles, como éramos briguentos e imaturos.

Serviu-se de mais uma dose do bondoso Jack (este não lhe causaria aborrecimentos no dia seguinte).

O sol da manhã surpreendeu-o cochilando no velho sofá da varanda.

O charuto  caído ao lado, abrira um enorme buraco no tecido claro do móvel...

Tossiu, soltou duas “bufas”e cuspiu no vaso de gerânios.

Olhou o calendário na parede, domingo, dia em que, infalivelmente o único filho vinha visitá-los.

Precisava se recompor.

Dirigiu-se ao banheiro próximo, uma ducha de água morna o colocaria em forma.
Ouviu o barulho de passos que se aproximavam, troc..troc..troc...troc...

Era o filho Carlos, aos prantos, desesperado, olhar faiscante de ódio.

Sorriu amarelo e sussurrou: olá filho, tudo bem, já conversastes com mamãe?
E ele: - papai, por que fizestes isto com ela? Meu Deus que tragédia!
Henri levantou-se com um sorriso sinistro e foi para o quarto de casal.
Deitou-se ao lado da mulher até a polícia acordá-lo horas mais tarde.
Aidée fora estrangulada naquela madrugada e Henri até hoje não sabe o que ocorreu.
Está há muitos anos internado no hospital psiquiátrico da capital.

Pergunta ao carcereiro por quê razão Carlos e Aidée não vem lhe visitar?


 
 

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