Meus dois amores
Ambos compareceram. Tenho vontade de dar uma risada, mas me contenho. Deveria? Poderia? Os dois, cada um num canto, mais ou menos contritos.
O alemão conversa com um amigo, parece que mantém um papo sério. Seus olhos às vezes se dispersam, navegando pelo ambiente. Tem os olhos de um azul claro, luminosos. Lembro-me bem dos nossos fins de semana juntos, nossos passeios à beira da praia, o dia em que resolvi pegar a sua mão. Fez que não percebeu, continuamos assim, até que eu a larguei. Um teste, de fato, para ver como reagiria. Esperou que eu tirasse o cabelo da testa e então, rápido e certeiro, caçou a minha mão. A partir daquele dia, aprofundamos o relacionamento. Foram dois anos de muito carinho, de uma fértil troca de idéias. Mas, depois...
Meu último amor está encostado à porta, não sorri como costuma fazer, aquele riso fácil e espontâneo que sempre lhe permite granjear simpatias. Postou-se ali, já faz algum tempo que chegou, lembro-me daqueles garotos da minha juventude, que (dizíamos) seguravam as paredes, sustentavam os pilares do salão, enquanto nós os mirávamos de longe, ansiosas para que se decidissem a bailar. Não sei por que me lembrei agora, mas vieram-me à memória aqueles jovens de antigamente. Convenhamos, isso já faz tempo! Encontramo-nos mais recentemente, ele convidou-me a dançar, continuamos entrelaçando os corpos toda vez que nos víamos na boate, até o dia em que não mais quisemos separar-nos.
Meu olhar vagueia pelas pessoas que estão presentes, pessoas que aprecio, por quem nutro um maior ou menor afeto. Prefiro não me fixar nos meus filhos, Letícia com sua barriga protuberante, logo terá a sua menina, Marcelo com os olhos inchados, abraçando a avó. Não, melhor deixá-los viver a sua própria vida, meus votos são de que se realizem, que saibam curtir cada instante de suas vidas.
O padre pronuncia algumas palavras. Silêncio na sala apinhada. Estou contente por ver que tanta gente veio, largando os seus afazeres. Os dois ainda estão firmes. Alguém diz, com uma voz surda:
- Chegou o momento.
Uma sensação estranha me possui, quando vejo uns homens se aproximarem e fecharem o caixão. Não deixa de ser esquisito perceber que o nosso corpo, enclausurado, nunca mais verá a luz do dia.