As cores do mundo (ou A carta que não foi escrita)
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM http://dacarpe.wordpress.com
De lá de cima via o mundo com asas. Um mundo agora multicolorido. Todos os verdes e vermelhos e amarelos… e o azul infinito, monumental, tapavam o cinza monocórdico do chão. Via formigas andando em fila quase militar sem saber para onde ir. Via morros em silhuetas sensuais reterem o alcance de olhos que não alcançam sequer o vizinho.
De lá de cima, bem lá do alto, onde nenhum outro homem havia estado, ele via o mundo. Via o tempo voando sobre os castelos e torres, a tristeza e a felicidade se abraçando pelos campos rasgados, via teias de saudades se estendendo, infinitas, por distâncias inimagináveis. Via gritos negros e gritos brancos se misturando em um arco-íris hipnotizante. Via o mar bailando sozinho e eterno. Via rios vermelhos. Via perfumes de terra molhada. Via sois e luas; e estrelas que caiam e levantavam, como se o céu estivesse a um pulo de distância. Via palavras alçando voos antigos, perdidas há tempos, procurando quem lhes era de destino.
De lá de cima via muros de pedra invisíveis, barreiras de som e luz intransponíveis a olho nu. Via barricadas e trincheiras que ainda estavam lá. Via armas de papel, tinta e imaginação. Via doenças ignoradas e ignorantes.
De lá de cima via infernos, paraísos e purgatórios inventados, almas amarradas, espíritos desprendidos e corpos perdidos. Via a morte lendo poesia, a vida tomando remédios e Deus brincando de peão. Via árvores e frutos e pássaros e insetos celebrando canções de paz e de amor e olhos se entreolhando com inocência.
De lá de cima via o mundo cheio de graça e sentimentos. O mundo cheio de tudo e vazio de nada. E com as asas abertas, afoitas, se entregou às cores do mundo. Se largou em um voo decadente enquanto iluminava o céu com o seu sorriso.
E então, enquanto decaía em cores, uma chuva de tintas e ventos de música caíram dos céus, e isto fez cobrir os olhos de toda a gente. E de baixo veio uma bomba de fantasia e um imenso bloco de concreto; e isto matou a todos de rir. E assim, o mundo, o seu mundo, acabou.
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM http://dacarpe.wordpress.com