Se eu morresse amanhã...
Qual a sensação de descobrir que você tem não mais de um dia de vida? A não ser que você esteja em um estado absolutamente lamentável, numa cama de hospital todo entubado e, pior, tratado pelo SUS. Aí, meu caro, a sensação é de regozijo. Brasil, saúde pública, aquele abraço!
Estou marcado. Sou uma bomba-relógio, ou ainda um homem-bomba, involuntariamente. Não sei como cheguei a esse ponto, e não sei se mereço. Mas merecimento não é o cerne da questão. Não devo ter mais de um dia de vida, e estou anestesiado. Não sei o que fazer. A mente está confusa, penso apenas em tudo que não fiz. E que não terei tempo de fazer.
O ser humano é bastante imprevisível. O que fazer sabendo que restam poucas horas neste plano? O homem é multifacetado, e suas ações provavelmente irão se basear em sua filosofia, seu modo de vida, suas concepções religiosas. A postura perante a vida tende a nortear os últimos suspiros. Podem ser momentos de desespero, desamparo. Ou podem ser momentos até puros, uma sensação de paz trazida pela inevitabilidade da experiência. Aquela sensação sentida apenas por aqueles que realmente sabem que estão prestes a embarcar para o outro lado, seja lá o que for esse outro lado.
Até ontem, eu era basicamente um cara estressado, cheio de problemas, irritadiço. Briguei com pessoas que amo, briguei no trabalho, paguei contas, deixei outras a pagar, bebi uma cerveja, voltei correndo pra casa, deitei preocupado. Eu estava sempre preocupado. Com o amanhã, com o depois de amanhã. Não havia uma réstia de tranquilidade. Agora, não terei depois de amanhã.
Alguns morrem em meio a forte estresse. Outros, dormindo. Há várias formas de morrer. Mas saber que temos hora marcada para morrer deve ser, senão a mais dolorosa, talvez a mais aflitiva. Sim e não. Ter tempo para dizer "eu te amo" é sempre bom. Tempo para perdoar. Tempo para amar. Morrer levando consigo sentimentos negativos por motivos tolos é uma grande tragédia. Brigas familiares, amores destruídos, futilidades do dia-a-dia, de quando não se pensa no amanhã, porque simplesmente não se imagina que não haverá amanhã. Nada disso importa.
Não é momento para me perguntar como deixei as coisas chegarem nesse ponto. Agora é tarde. Simplesmente é tarde. Voltaria no tempo e faria diferente? Deveria voltar e reviver a vida, de forma inteiramente nova. Se houvesse uma oportunidade, repensaria meus valores, reconstruiria minha personalidade, buscaria ajuda, não me envolveria com a banda podre do mundo.
Hoje, amanhã e depois. Todo dia, tudo igual. Rotina mortificante. Sábado, cerveja. Jogo de domingo, cineminha nas quartas. Buscar filho na escola, levar dinheiro pra traficante, fugir de malaco, a maldita rotina das grandes e cinzentas cidades. Esperar a vida passar, com a boca escancarada cheia de dentes, como bem norteou filósofo Raulzito, o guru dos doidões e mestre da realidade. Porque a realidade é o que nos impede de viver uma vida de sonhos. Porque os sonhos se limitam à fantasia onírica de noites dormidas e vividas em of. Ou seria o contrário?
Coisas bobas. Um abraço numa criança, afagar um cão, ver uma partida de futebol, vibrar com o gol, sentir uma música, vivenciar um show de rock, enroscar-se à lassidão da vida noturna. Um beijo, um queijo, e voilá, minha princesa, vem me amar que estou pronto pra viver. Felicidade é basicamente render-se aos instintos e não perder tempo com o que não vale a pena. E como saber separar?
Quando estamos por um fio, já não sentimos as mesmas angústias. Elas existem, mas destoam de tudo o que passou. Uma conta, ônibus perdido, reunião? Nada vale mais... a primeira morte é a morte da mediocridade, da vida mesquinha e tola que levamos. Uma pessoa com hora marcada se despede desse lado da vida, sem remorso nem saudade. A saudade sentida é daquilo que não se fez, que não se realizou, que não se viveu, mesmo que os sonhos existissem.
Não dormirei. A noite chegará, terei toda a madrugada silenciosa para entender o que fiz dessa vida. Terei muito pra dormir depois. Apenas gostaria que não fosse assim. Não tão rápido, não tão repentino.Faltou a cadência do adeus profundo. Como se despede para sempre? Não é como viajar e imaginar que um dia voltaremos. Não hã volta.
Ausência de sentido, a roda viva da escarnecida sociedade pasteurizada, a cada momento e a cada dia mais e mais crítica e menos auto-crítica. A cisão da hierarquia e do respeito, a espantosa arrogância generalizada que se vê. Massa bovina, gado nivelado por baixo, estupefato, estupidificado. Agora e para sempre. Assim sendo, pouco se perde, pois quase nada se aproveita. A não ser que criemos uma redoma mental alienante que nos aliene da própria alienação.
Enquanto espero, penso se haveria algum meio de escapar da sensação de desconforto causada por essa vida contemporânea tão carregada de informação inútil, eventos sociais, vidas de mentira, contos de fadas fotografados por hordas de paparazzi, cantores que não cantam, atores que não atuam e viventes que atual e enganam muitos, embora não todos. Então, chego ao trabalho, cumprimento algumas pessoas cujos nomes mal lembro. Passo incólume pelos corredores da Instituição, em meio ao silêncio dos anônimos anódinos que transpassam paredes e rotinas sem nunca viver de verdade.
Em todo o mal, há algo de construtivo, uma lição, um sentido, uma lógica. Mesmo porque "bem" e "mal" só podem existir juntos. O conceito não existiria na ausência de um dos elementos. Assim é a vida. Finita, cíclica, renovando-se a todo instante. Uns vão enquanto outros chegam. É a lei natural, e a forma de partir varia de acordo com as circunstâncias. Nem sempre a Morte anuncia sua chegada, mas em alguns momentos ela é bastante previsível. E aguardada. melancolicamente. Com um vazio na alma. Ou com uma sensação de preenchimento, de plenitude, quando tudo o mais perde efeito.
Um whisky enquanto espero. De cima do telhado, as estrelas, a Lua. O gato ronrona ao meu lado, já sabedor de tudo. Apenas nós e o Céu. O tempo parou. O Universo, pleno, infinito e distante. Aqui, tudo ganha novas cores e proporções. Que diferença faz? Não somos nada diante do Multiverso com suas dimensões e sua Física não compreendida. Só podemos sonhar e sentir, como os animais. Como deveria ser. Como deve ter sido. Intuitiva, instintivamente. Apenas sentir, como animais que somos. Sem exigir respostas. Apenas... vivendo.
Qual a sensação de descobrir que você tem não mais de um dia de vida? A não ser que você esteja em um estado absolutamente lamentável, numa cama de hospital todo entubado e, pior, tratado pelo SUS. Aí, meu caro, a sensação é de regozijo. Brasil, saúde pública, aquele abraço!
Estou marcado. Sou uma bomba-relógio, ou ainda um homem-bomba, involuntariamente. Não sei como cheguei a esse ponto, e não sei se mereço. Mas merecimento não é o cerne da questão. Não devo ter mais de um dia de vida, e estou anestesiado. Não sei o que fazer. A mente está confusa, penso apenas em tudo que não fiz. E que não terei tempo de fazer.
O ser humano é bastante imprevisível. O que fazer sabendo que restam poucas horas neste plano? O homem é multifacetado, e suas ações provavelmente irão se basear em sua filosofia, seu modo de vida, suas concepções religiosas. A postura perante a vida tende a nortear os últimos suspiros. Podem ser momentos de desespero, desamparo. Ou podem ser momentos até puros, uma sensação de paz trazida pela inevitabilidade da experiência. Aquela sensação sentida apenas por aqueles que realmente sabem que estão prestes a embarcar para o outro lado, seja lá o que for esse outro lado.
Até ontem, eu era basicamente um cara estressado, cheio de problemas, irritadiço. Briguei com pessoas que amo, briguei no trabalho, paguei contas, deixei outras a pagar, bebi uma cerveja, voltei correndo pra casa, deitei preocupado. Eu estava sempre preocupado. Com o amanhã, com o depois de amanhã. Não havia uma réstia de tranquilidade. Agora, não terei depois de amanhã.
Alguns morrem em meio a forte estresse. Outros, dormindo. Há várias formas de morrer. Mas saber que temos hora marcada para morrer deve ser, senão a mais dolorosa, talvez a mais aflitiva. Sim e não. Ter tempo para dizer "eu te amo" é sempre bom. Tempo para perdoar. Tempo para amar. Morrer levando consigo sentimentos negativos por motivos tolos é uma grande tragédia. Brigas familiares, amores destruídos, futilidades do dia-a-dia, de quando não se pensa no amanhã, porque simplesmente não se imagina que não haverá amanhã. Nada disso importa.
Não é momento para me perguntar como deixei as coisas chegarem nesse ponto. Agora é tarde. Simplesmente é tarde. Voltaria no tempo e faria diferente? Deveria voltar e reviver a vida, de forma inteiramente nova. Se houvesse uma oportunidade, repensaria meus valores, reconstruiria minha personalidade, buscaria ajuda, não me envolveria com a banda podre do mundo.
Hoje, amanhã e depois. Todo dia, tudo igual. Rotina mortificante. Sábado, cerveja. Jogo de domingo, cineminha nas quartas. Buscar filho na escola, levar dinheiro pra traficante, fugir de malaco, a maldita rotina das grandes e cinzentas cidades. Esperar a vida passar, com a boca escancarada cheia de dentes, como bem norteou filósofo Raulzito, o guru dos doidões e mestre da realidade. Porque a realidade é o que nos impede de viver uma vida de sonhos. Porque os sonhos se limitam à fantasia onírica de noites dormidas e vividas em of. Ou seria o contrário?
Coisas bobas. Um abraço numa criança, afagar um cão, ver uma partida de futebol, vibrar com o gol, sentir uma música, vivenciar um show de rock, enroscar-se à lassidão da vida noturna. Um beijo, um queijo, e voilá, minha princesa, vem me amar que estou pronto pra viver. Felicidade é basicamente render-se aos instintos e não perder tempo com o que não vale a pena. E como saber separar?
Quando estamos por um fio, já não sentimos as mesmas angústias. Elas existem, mas destoam de tudo o que passou. Uma conta, ônibus perdido, reunião? Nada vale mais... a primeira morte é a morte da mediocridade, da vida mesquinha e tola que levamos. Uma pessoa com hora marcada se despede desse lado da vida, sem remorso nem saudade. A saudade sentida é daquilo que não se fez, que não se realizou, que não se viveu, mesmo que os sonhos existissem.
Não dormirei. A noite chegará, terei toda a madrugada silenciosa para entender o que fiz dessa vida. Terei muito pra dormir depois. Apenas gostaria que não fosse assim. Não tão rápido, não tão repentino.Faltou a cadência do adeus profundo. Como se despede para sempre? Não é como viajar e imaginar que um dia voltaremos. Não hã volta.
Ausência de sentido, a roda viva da escarnecida sociedade pasteurizada, a cada momento e a cada dia mais e mais crítica e menos auto-crítica. A cisão da hierarquia e do respeito, a espantosa arrogância generalizada que se vê. Massa bovina, gado nivelado por baixo, estupefato, estupidificado. Agora e para sempre. Assim sendo, pouco se perde, pois quase nada se aproveita. A não ser que criemos uma redoma mental alienante que nos aliene da própria alienação.
Enquanto espero, penso se haveria algum meio de escapar da sensação de desconforto causada por essa vida contemporânea tão carregada de informação inútil, eventos sociais, vidas de mentira, contos de fadas fotografados por hordas de paparazzi, cantores que não cantam, atores que não atuam e viventes que atual e enganam muitos, embora não todos. Então, chego ao trabalho, cumprimento algumas pessoas cujos nomes mal lembro. Passo incólume pelos corredores da Instituição, em meio ao silêncio dos anônimos anódinos que transpassam paredes e rotinas sem nunca viver de verdade.
Em todo o mal, há algo de construtivo, uma lição, um sentido, uma lógica. Mesmo porque "bem" e "mal" só podem existir juntos. O conceito não existiria na ausência de um dos elementos. Assim é a vida. Finita, cíclica, renovando-se a todo instante. Uns vão enquanto outros chegam. É a lei natural, e a forma de partir varia de acordo com as circunstâncias. Nem sempre a Morte anuncia sua chegada, mas em alguns momentos ela é bastante previsível. E aguardada. melancolicamente. Com um vazio na alma. Ou com uma sensação de preenchimento, de plenitude, quando tudo o mais perde efeito.
Um whisky enquanto espero. De cima do telhado, as estrelas, a Lua. O gato ronrona ao meu lado, já sabedor de tudo. Apenas nós e o Céu. O tempo parou. O Universo, pleno, infinito e distante. Aqui, tudo ganha novas cores e proporções. Que diferença faz? Não somos nada diante do Multiverso com suas dimensões e sua Física não compreendida. Só podemos sonhar e sentir, como os animais. Como deveria ser. Como deve ter sido. Intuitiva, instintivamente. Apenas sentir, como animais que somos. Sem exigir respostas. Apenas... vivendo.