CASAMENTO POR PROCURAÇÃO - 2ª PARTE
Estou cansada desta vida; não conheço outra pois é a única que aqui existe. Deve haver mais do que isto, imagino.
O mês passado tive de ir a Vila Real ao médico. Fiquei pasmada com o que vi por lá! As casas, as ruas largas e não caminhos, as luzes ao fim do dia... Ainda hoje ando a magicar como as acendem porque não vi velas em lado nenhum. Fui perguntar à nossa professora e ela disse-me que era electricidade e não percebi nada, fiquei na mesma. Disse-me a professora também que não vão lavar a roupa à ribeira, que a lavam em casa em tanques; alguns até em máquinas e que a água vai ter às casas.
Não devia ter ido a Vila Real. Agora só sonho com estas coisas todas e eu, que a minha vida é campo e animais, frio e sol. Se há bailarico no adro, o meu pai não me deixa ir, diz que são coisas do demo. Nem me deixou acabar a escola, só a Segunda Classe. Se calhar já nem sei ler, eu que até ainda tenho a Cartilha, não sei onde a guardei, mas tenho. Sei assinar o meu nome, isso sim.
A prima da Emília, a minha cunhada mais velha, deu o salto para a França. Tinha algum e pôde pagar para isso. Casou lá com um rapaz da Beira Alta e até têm um bidão para viverem. Disse que não era muito bom mas que para já vai dando. Ele trabalha nas obras e ela faz limpezas em fábricas e ganham alguma coisa. Disse também que pensam alugar um quarto numa casa ali perto. Ando a sonhar poder ir também... Há dias falei nisso ao meu pai e o que ganhei foi um par de bofetadas...
Estou tão farta... Levantar antes das 5 para a ordenha das vacas, depois tratar da lavagem do vivo... Aqueles cheiros já me enjoam. Depois há as roupas para a ribeira: ensaboar, corar, esfregar e tirar o sabão e estender sobre os matos. Antes de ir para casa tenho de vir buscá-las. Apanhar hortaliça para o caldo e levá-las a casa, pegar na gadanha e roçar mato, sachar a horta e regar as batatas. Aqui o trabalho não falta e é igual para homem ou mulher. Quando chega a noite ainda falta dar a lavagem da noite ao vivo, fazer a cama às vacas depois da ordenha da noite.
A semana passada o meu pai disse-me que não mereço o caldo que como. E mais disse que como era feia nunca me ia casar e que seria sempre um fardo para eles! Eu, que me mato a trabalhar... Se tivesse algum de meu ia para a França, ai ia, ia.
Depois do que me disse o meu pai, pedi ao sr Padre que me ouvisse em confissão e disse-lhe que gostaria de sair daqui, ir para a França. Disse-me o sr Cura que talvez tivesse uma boa proposta para mim mas que não era a França mas sim em Angola. Que lhe tinha falado o sr Cura de Santar da Serra que há um rapaz em Angola que quer casar por procuração. Nem percebi muito bem o que ele quis dizer com isso mas ficou de se informar melhor e que me dizia para a semana.
Fico à espera de uma melhor explicação.
Beijinhos,
Estou cansada desta vida; não conheço outra pois é a única que aqui existe. Deve haver mais do que isto, imagino.
O mês passado tive de ir a Vila Real ao médico. Fiquei pasmada com o que vi por lá! As casas, as ruas largas e não caminhos, as luzes ao fim do dia... Ainda hoje ando a magicar como as acendem porque não vi velas em lado nenhum. Fui perguntar à nossa professora e ela disse-me que era electricidade e não percebi nada, fiquei na mesma. Disse-me a professora também que não vão lavar a roupa à ribeira, que a lavam em casa em tanques; alguns até em máquinas e que a água vai ter às casas.
Não devia ter ido a Vila Real. Agora só sonho com estas coisas todas e eu, que a minha vida é campo e animais, frio e sol. Se há bailarico no adro, o meu pai não me deixa ir, diz que são coisas do demo. Nem me deixou acabar a escola, só a Segunda Classe. Se calhar já nem sei ler, eu que até ainda tenho a Cartilha, não sei onde a guardei, mas tenho. Sei assinar o meu nome, isso sim.
A prima da Emília, a minha cunhada mais velha, deu o salto para a França. Tinha algum e pôde pagar para isso. Casou lá com um rapaz da Beira Alta e até têm um bidão para viverem. Disse que não era muito bom mas que para já vai dando. Ele trabalha nas obras e ela faz limpezas em fábricas e ganham alguma coisa. Disse também que pensam alugar um quarto numa casa ali perto. Ando a sonhar poder ir também... Há dias falei nisso ao meu pai e o que ganhei foi um par de bofetadas...
Estou tão farta... Levantar antes das 5 para a ordenha das vacas, depois tratar da lavagem do vivo... Aqueles cheiros já me enjoam. Depois há as roupas para a ribeira: ensaboar, corar, esfregar e tirar o sabão e estender sobre os matos. Antes de ir para casa tenho de vir buscá-las. Apanhar hortaliça para o caldo e levá-las a casa, pegar na gadanha e roçar mato, sachar a horta e regar as batatas. Aqui o trabalho não falta e é igual para homem ou mulher. Quando chega a noite ainda falta dar a lavagem da noite ao vivo, fazer a cama às vacas depois da ordenha da noite.
A semana passada o meu pai disse-me que não mereço o caldo que como. E mais disse que como era feia nunca me ia casar e que seria sempre um fardo para eles! Eu, que me mato a trabalhar... Se tivesse algum de meu ia para a França, ai ia, ia.
Depois do que me disse o meu pai, pedi ao sr Padre que me ouvisse em confissão e disse-lhe que gostaria de sair daqui, ir para a França. Disse-me o sr Cura que talvez tivesse uma boa proposta para mim mas que não era a França mas sim em Angola. Que lhe tinha falado o sr Cura de Santar da Serra que há um rapaz em Angola que quer casar por procuração. Nem percebi muito bem o que ele quis dizer com isso mas ficou de se informar melhor e que me dizia para a semana.
Fico à espera de uma melhor explicação.
Beijinhos,