Amiga Tristeza e Amiga Lembrança
O que é ser sozinho? Ser sozinho é não ter ninguém para amparar, para ouvir ou para amar. Esses exemplos fazem parte da solidão simples; pois o pior tipo de solidão é aquela na qual estamos rodeados de pessoas, mas continuamos sozinhos.
Não é o meu caso, pois tenho duas grades amigas: a Tristeza e a Lembrança. A Tristeza é amiga de todas as horas, é aquela que não se separa da minha pessoa em hipótese alguma. A Lembrança é meia vaga, distante, as vezes é alegre, as vezes é triste e sempre é nostálgica.
Quando as minhas duas amigas se reúnem, chega a ser gozado; a Tristeza é triste; a Lembrança ora é triste, ora é alegra. A última vez que nos encontramos foi algo mais ou menos assim:
- Como vai amigo? – disse a Tristeza com um tom monótono e distante.
- Vou bem amiga – respondi – Sabe quem vem aqui hoje? A Lembrança.
- Espero que ela esteja animada, porque da última vez que nos encontramos ela estava tão triste... – comentou a Tristeza.
A Tristeza é uma amiga irônica e debochada toda a vida. É daquele tipo de amiga que na hora mais difícil fica o tempo todo ao seu lado, mas zombando o tempo todo de você. Para ela a pessoa quando está animada, está triste; e quando a pessoa está triste está animada – coisas da Tristeza. Eis que surge a amiga Lembrança:
- Como vai nobre amigo? Como vai amiga Tristeza? – Perguntou a Lembrança.
- Vou muito bem – respondi.
-Tudo está maravilhosamente bem. – respondeu a Tristeza no tom mais fúnebre possível.
- Estive lembrando de você – falou a Lembrança – Lembrei das festas, das alegrias, dos amores...
-Já vi que a amiga Lembrança está triste. – resmungou a Tristeza.
- Hoje eu estou alegre, animado e revigorado igual a amiga Lembrança – respondi.
- Estive lembrando a sua formatura na faculdade. Lembra da Neiva? Vocês se formaram com uma dificuldade. Você a ajudou pagando a sua prestação e a dela para se formarem; pagou em inúmeras prestações. E a comemoração íntima de vocês dois depois da festa? Que noite foi aquela?
- Realmente a Neiva era uma mulher incrível! – lembrei.
- Depois ela te pisou, humilhou, xingou e não disse o motivo – recordou a Tristeza.
- É verdade... – fiz meia pausa – aquela ruivinha mexeu com meu coração.
- Disse bem, mexeu, não mexe mais. – fez questão de falar a Tristeza.
- Lembrei da Florence, a sua amiga e primeiro amor, – recordou a Lembrança – ela te amava. Seu primeiro beijo foi com aquela loirinha fenomenal!
- Quando estávamos juntos, era como se eu estivesse no céu! – meus olhos marejaram – ela era um verdadeiro anjo...
- Que se entregou nos braços de outro na primeira oportunidade que teve! – interrompeu a Tristeza.
- Lembra da professora Elizabeth? Ela foi fantástica na sua vida?
- Grande Elizabeth, com Z e TH, ela sempre fazia questão de dizer as letras – lembrei.
- Ela não era somente a sua professora de Língua Portuguesa não! Ela era sua amiga, mãe e psicóloga.
- Realmente ela era isso tudo, foi a melhor professora que tive em toda a minha vida.
- Que te deu um zero na primeira oportunidade e ainda contou os seus segredos para a sua mãe na reunião de pais. – disse a Tristeza.
- Cara colega, – disse a Lembrança para a Tristeza – hoje é um dia nostálgico e alegre para o nosso amigo.
- Mas eu estou feliz – disse a Tristeza no tom fúnebre de sempre.
- O nosso amigo precisa se alegrar, na hora que ele se lembra de algo que o fez bem, você fala algo para deixá-lo triste – disse a Lembrança.
- Mas eu estou alegrando, estou muito feliz hoje – respondeu a Tristeza.
- Você só serve para jogar as pessoas para baixo – retrucou a Lembrança.
Passou-se um mês. Um longo mês, pois a Lembrança me lembrava algo bom e a Tristeza recordava-me as partes ruins das lembranças. Eu já estava um mês trancado dentro de casa com as minhas amigas. Até que cheguei a conclusão que as duas precisavam ir embora porque com dizia William Shakespeare “Lamentar uma dor passada no presente é criar outra dor e sofrer novamente”. As dispensei da minha casa, e passei a deixar a tristeza para a Tristeza e a lembrança para a Lembrança. Vivamos o presente!