Um carta

Escrevo essas mal traçadas linhas. Estou rindo porque sempre quis começar uma carta assim. Com “mal traçadas linhas”. Mas a forma e os ditames modernos me impediam. Mas falo a verdade. São mal traçadas. Porque raramente sei o que dizer. Hoje é seu aniversario. Lembrei disso essa semana. E essa carta

Acontece como uma consequência dessa lembrança. Moro ainda na mesma casa. Velha, estiorada. Assim como eu, ela vivenciou muitas coisas. Estou na varanda que ainda é ensolarada pela manhã. A diferença, minha querida, já não temos mais aquela sombra. A arvores grande que tantas vezes, tentávamos adivinhar seu nome, morreu. Foi secando, e no ultimo ano caiu depois de um temporal.

Infelizmente, não consegui fazer como você. Ir embora. Preciso ficar um pouco mais. Quando achei que podia ir. Passou tanto tempo. Senti medo e acabei desistindo. Hoje vivo a Vida quase como era, me envergonho. Crio em minha imaginação mil formas que poderia estar vivendo. Mas enfim, não estou escrevendo para me lamentar.

Tenho vontade de ver você novamente, as lembranças me sacode, ainda mais, nas tardes sonoras que tanto nos fez companhia. Lembro da estradinha do colégio, que te esperava. Da cabana dos fundos, onde, escondido, nos entregávamos. Naquele tempo acreditava nunca íamos nos separar. Olha eu de novo, te pertubando. Não quero lhe cobrar nada, mesmo que nas entrelinhas apareça alguma coisa. Quero que saiba

Que é de ordem inconsciente. Dou risada com minha frases, que saem dos meus dedos, mas deixo acontecer,

Porque vem de um lugar que há muito não visito. Achei que quando você foi embora, nunca mais teria sua falta. Sustentei isso durante algum tempo, na verdade, muito tempo.

As mascaras foram se rompendo. Fui deixando elas cairem quando minha vaidade já não encontrava razão pra estar comigo. E capa sobre capa, foi aparecendo tudo que fizemos juntos. Seu sorriso, ainda vejo quando fechos os olhos, e os sons de sua boca, amortece todo meu corpo, quando meu orgulho cede e deixa que essa porção de saudade apareça.

Nunca me casei, como você supunha. Alguns fracassos contribuíram pra isso. Hoje esta ventando. Sabe aquele vento que empurrava a gente no balanço? Hoje está assim. Se eu deixasse seria empurrado. Alguns crianças na praça, rapazes. Outra geração, outros rostos. Os que ficaram de sua época, foram embora ou envelheceram por dentro mais que por fora. são ratos apagados. Gente que se apequenou. Coisa que a trancos não deixo me acontecer. Ou penso que não. Me olho através de mim, e não tenho certeza o quanto que sou daquele tempo. Me sinto diferente. Mas quando deixo acontecer. Sinto que não mudei nada. Isso deve ser bom. Acho que sim.

Despeço com amor. Não se prive de me ler. Amor ao passado e a tudo que você ainda representa. Se essas imagens me congela e impede de eu viver coisas novas, é um sopro morno

Que me mantém de pé. Breve vou te visitar. Levarei novas velas e flores amarelas, como sempre gostou.

Trocarei seu retrato, pois encontrei um antigo, onde ainda era menina. Com amor.

Do sempre seu.

Pedro

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 12/05/2011
Código do texto: T2965804