O CONTO DA FADA

A menina era linda. Sem dúvidas, sim. Seus olhos, duas pedras de rara beleza, e sua alma, transparente, cristalina, faziam dela a princesinha dos sonhos dele. Talvez nem fosse só isso. A beleza que despertara o encantamento dele estava também por dentro dela, entre a pele e o osso, entre as carnes, dentro da veia. Ele nunca fora vampiro, embora precisasse sempre de um pouco de atenção, mas o sangue que corria pelo corpo dela vinha carregado de magia. Genética pura que o aproximava do céu. E havia também o vestido. O vestido agregou-se ao corpo da menina, não como uma parte dela, mas como parte do todo que se compunha a cada olhar, a cada sorriso, a cada salto, a cada grito, a cada música sentida. Ela definitivamente estava linda dentro daquele vestido. E ele imaginou quase que inocentemente, porém com um desejo ardente, remove-lo com a mesma leveza que a observava. Mas isso não aconteceu...

O homem, de sorriso quase tão grande quanto a extensão do seu próprio eu, também era lindo. Ele carregava consigo a beleza radiante do mistério, que ocultava em seu corpo as aventuras que ele deslumbrado vivera, e em sua mente, as loucuras que ele tão sonhador imaginara viver. E eles se apaixonaram. Houve uma fusão explosiva de pensamentos. Uma construção explicita do sentimento que por algumas poucas frações infinitas de segundo os mantiveram suspensos em uma outra dimensão. Eles sentiam-se, na construção e manutenção desse sentimento, como se andassem ora por as estrelas que davam brilho ao brilho dos seus olhares, ora por entre nuvens feitas de algodão doce, tão doce quanto o carinho que fizera dele o encanto dela, e dela a menina dele. Viveram um amor lindo. Tão louco e tão curto como um sonho bom. E de repente o homem de sorriso grande passou a ser um homem sério. Tão sério em seus compromissos e afazeres, tão voltado para o seu velho mundo que não era dela, que a doce menina de olhos brilhantes perdeu também a vontade de sorrir. Dos seus olhos agora só brotavam lágrimas de tristeza por perceber, cansada de não perceber, que seu doce encanto a deixara sem ao menos dizer nada. Nenhuma despedida, nenhum bilhete curto para fazer morrer o sonho que ele plantara com promessas recheadas de poesia. Como doeu para a menina ouvir palavras de silêncio. Como doeu na menina não mais ouvir palavras de amor. Mas ela sobreviveu. Porque além de linda ela era forte. Ela conhecera bem de perto, outrora, a dor. A verdadeira dor que quase lhe tirou tudo que ela tinha de mais precioso: seus sonhos, seus planos, sua luz. E ao quase perder tudo, ela pôde perceber também que nada é pra sempre, nem a dor, nem tão pouco a ausência dela, mas que se tivermos punhos acirrados, com sede de vitória, estaremos sempre prontos para lutar. Por alguém ou por nós mesmos. E foi isso que a menina fez em todas as vezes que as nuvens de algodão doce derreteram aos seus pés: se levantou, se recuperou da queda e recomeçou a andar compreendendo que independente de ser lindo, mágico, doce e encantador, um dia sem motivo algum, o amor acaba. E essa história, embora diferente dos outros contos também de fada, teve um final feliz: o homem de sorriso grande alcançou seus objetivos de homem sério e pôde assim sorrir muito. E a menina de olhos brilhantes pode enxergar além do fim. Descobriu que além do fim pode haver luzes e purpurinas. Descobriu que além do que é belo pode haver novos horizontes, nos belos horizontes ou nos picos mais altos...

Alice Alencar
Enviado por Alice Alencar em 11/05/2011
Código do texto: T2962842
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