A LENDA DO URUI - LIA LÚCIA DE SÁ LEITÃO - 10/05/2011
Há quem diga que o pássaro Urui é um portador de maus presságios, ma isso não é verdade. As pessoas ameaçam a natureza e não gostam das respostas que recebem. Os índios sabem que sujar as águas dos rios ou igarapés significa para eles escassez de pescados, matar besouros também não é bom pois outros insetos se multiplicam, nenhum índio mata sapo, lagartixas ou outros bichos sem que seja para se alimentar porque eles sabem que outros bichos malignos podem aparecer. É claro que nesse momento não estou escrevendo apenas para o público leitor adulto, mas para todos aqueles que desejam saber sobre o passarinho azul debico fino que assombrados curumins e os adultos lá nas matas amazonenses.
Certa feita espalhou-se na aldeia dos Bororós que os jovens guerreiros e as crianças jamais poderiam sair sozinhos para a mata, nem podiam caçar, ou ir ao igarapé para pescar. Todos tinham que ter muito cuidado e ficarem atentos brincadeiras de subir nas árvores próximas ao grande rio Negro.
Havia ali um pássaro azul enorme, mal acostumado a voar e com suas garras enormes segurar a cabeça de suas vítimas e bicar-lhes os olhos até furar e arrancá-los da órbita ocular. Aquela notícia espalhou como penas de aves ao vento e todos tomaram conhecimento era um assombro!
Quem queria que seu filho fosse molestado por uma ave maligna daquela?
Dia após dia onças, cobras, macacos, porco do mato, gatos e cães apareceram na aldeia com um olho vazado pela ave. Aquela cena causava mais pavor aos índios. Os bororós curavam as feridas dos animais, porém não restituíam a visão, pois o olho estava furado pelas várias bicadas do pássaro azul.
Um dia à tarde, uns índios pequenos acompanhados por índios maiores foram para o igarapé, a cozinheira da taba esqueceu o pássaro azul e mandou os rapazes pescarem uns peixes para o jantar. Os meninos não perderam tempo era tudo o que eles queriam. Banhar-se nas águas frias do lago, escorregar nas pedras de limo das pequenas cascatas e cair na corredeira, balançar nos cipós e saltar da árvore dentro da água, para depois de muitas risadas sair em busca dos peixes, os índios bororos como todos os índios não pescam, arpoam com uma pontaria de mestre os peixes mesmo os que se escondem detrás das pedras
Os meninos se perfilaram como se estivessem numa escola, e os menores de um lado os maiores que os menores do outro e os maiores que os maiores dos menores ficaram no centro. Todos atentos para os peixes. Mas Paikerê e Ianombré começaram a dizer que estavam famintos e contagiou os amigos com a fome de criança, todos saíram da formação e foram lanchar, Porã a única indiazinha do grupo tirou de sua mochila pedaços enormes de beiju e distribuiu com seus amigos.
Naquele instante um susto! Uma ave pequena de plumas azuis, bicos afiados voou da árvore para o chão, beliscava os ciscos da farinha de beiju que os meninos deixavam cair. O medo tomou conta de tal forma que ninguém teve coragem de fugir.
Porã estendeu a mão com pedacinhos de beiju e o pássaro voou e pousou delicadamente em seu braço e continuou beliscando os farelinhos ali salpicados, os meninos ficaram entusiasmado com a suavidade da ave e cada um deu um punhado de beiju e a ave voou de um índio ao outro numa verdadeira harmonia. Porã não entendia o motivo de todo aquele alarde dos adultos com uma ave tão meiga, tomou o pássaro em sua mãos, soprou-lhe as plumagens e viu a sua fragilidade, olhou o bico do pássaro e logo viu que os olhinhos dele eram minúsculo, ela deduziu que aquele passarinho não enxergava direito as coisas e podia esbarrar nas pessoas e nos animais que amedrontados faziam o maior alarde. Mas a interrogação persistia, porque bichos e pessoas ficavam cegos com o olho beliscado? Não obteve a resposta nem dos curumins.
Finalmente o passarinho voltou para a árvore e os índios continuaram a sua pescaria. Encheram os caçuás de peixes e retornaram para a aldeia, cada um que contasse uma história mais encantadora sobre o passarinho azul.
O Cacique chamou sua filha Porã e pediu a história certinha, a menina não negligenciou um detalhe e ainda acrescentou, o passarinho é lindo e amoroso.
A menina prometeu pegar o passarinho para mostrar aos adultos da tribo para que todos tirassem a má impressão que aquela ave singela era o presságio do mal. Ela pediu ajuda aos amigos que estiveram com ela no igarapé e todos se prontificaram a ajudá-la.
No dia seguinte foram cedinho para a mata, jogaram farelos de beiju no chão e fizeram um caminho até dentro de um alçapão onde prenderiam o pássaro para levá-lo até a adeia.
O passarinho desceu de um galho da árvore, pulou aqui, pulou ali, cantou, olhou dos lados, e continuou beliscando a farinha, foi até a armadilha e foi pego. Mesmo dentro da gaiola ele não resistiu, não fez alarde nem ficou batendo as asas querendo fugir, ficou quietinha e até cantou. Os meninos foram correndo para a aldeia e todos viram o passarinho, uns riam achando que aquela ave não faria mal nem a uma minhoca, outros olhavam de longe com receio que ele virasse um monstro.
Uma noite e nada, ninguém foi atacado, o passarinho comia e engordava na vida de comer dormir e cantar.
Urui era considerado por todos um membro da tribo, ninguém assustava o passarinho e o passarinho não era agressivo com ninguém.
Mas um dia, um gato que não era da tribo viu aquele passarinho solto, agachou-se e ficou em posição de ataque, e num salto pulou para cima do Urui que deu um rápido vôo e com as garrinhas segurou o focinho o gato e deu uma única bicada no olho. O gato fugiu miando e pulando de dor. Os índios correram e viram que o Urui não era agressivo mas para se defender usava o bico afiado e como não enxergava nitidamente bicava em locais estratégicos para que seu opositor sentisse dor e medo, mas não era sua vontade cegar nenhum ser vivente.