FIM DE DIA OUTONAL

Era um fim de dia outonal típico. Céu sem nuvens, sol, folhas caindo e um leve frio coroando a tepidez. Ansiei por um oráculo que me lesse algum significado naquele quadro. Nada de oráculos. Aquilo era um fim de tarde e nada mais! Logo a noite cairia e junto com ela viria mais frio. Acenei para um vizinho e bestamente esperei a resposta que sabia não vir. O galho da árvore balançou sacudido que foi pelo vento, mas, dele nenhuma folha caiu. Menos refeição para os caramujos, pensei. A., minha cozinheira, deu adeus já do quintal e partiu apressadamente para qualquer condução que a levasse para uma periferia. Usava um cachecol azul-escuro. Fora eu quem o dera a ela. A. não me perturbava. Era constantemente silenciosa. Sua rotina idiossincrática levava-a a cozinhar cada coisa sempre na mesma panela. Não permitia a troca de quaisquer delas por mais velhas que estivessem. Sabia eu que a mesa já estava posta. Coisa simples: meu prato, um copo vazio e uma jarra d’água estariam me esperando. E as panelas. Dentro delas meu cardápio frugal de sempre. Intimamente tive um ímpeto de experimentar aqueles caramujos comedores de folhas, mas não sabia como prepará-los e nem tampouco pediria que A. o fizesse. Satisfiz-me com o que havia à mesa.

Terminada a refeição pus-me a observar o restante de claridade que ainda havia lá fora e os raros transeuntes em disparada. Meu vizinho já se recolhera; na certa fora acomodar seus fantasmas domésticos n’algum cômodo da casa. Cerrei as cortinas. Acendi a lâmpada da sala e apanhei a ruma de jornais que mantinha empilhada num canto. Folheei alguns exemplares ali, a esmo, como um detetive que está às cegas em busca de qualquer pista que o leve a achar o fio condutor de alguma investigação.

Ao final da leitura devolvi-os novamente ao canto da sala de onde os retirara.

Voltei à mesa, apanhei a jarra com a água e enchi meu copo. Esvaziei-o numa golada. Fui para o quarto onde meu velho pijama me aguardava e vesti-me ritualmente para um sono talvez entrecortado por sonhos.

Amanhã, A. estaria de volta e certamente meu vizinho estaria aguardando por outro cumprimento. Ele e nossos fantasmas.

Cleo Ferreira
Enviado por Cleo Ferreira em 10/05/2011
Reeditado em 10/05/2011
Código do texto: T2961028