A grande Partida

Abril de 82, o tempo, como quase sempre no que conto, era quente, quente e tinha nos asfalto as miragens que a temperatura alta traz. Na beira da estrada, perto da encruzilhada de Maiquinique eu espera meu onibus. Depois de muita duvida resolvi viajar. Esse ônibus sairia no próximo ano, cheguei com antecedência para não perdê-lo. Levei poucas roupas, não tinha muito. As que possuia cabiam numa pequena sacola de sisal.

Esse era o único caminho, o único ônibus que passava no meu destino. E como muitas pessoas falavam de ir, eu me antecipei. Isso explica o excesso de precaução. Não é que sou louco, ou ansioso .Sou comedido, prudente. O que me faz um vivente . Como cheguei com antecedência, tive o cuidado de reconhecer a área. Minha família estranhou, meus amigos também. Não entendiam que a melhor forma de encontrar o destino é esperar ele passar pela gente.

Esse ônibus vem de muito longe, geralmente é vazio até chegar em minha região, mas aqui, ou um pouco antes, as pessoas estão com mesmo intento: largar suas vidas, seus contornos e seguir adiante. Entretanto poucas tem coragem. Teve um ano, que na primeira estação, esse asfalto estava uma multidão. Todos como um movimento celeste, decidiram partir. Precisou racionar comida e água. Mas conforme o tempo esticava, os ânimos foi diminuindo, sentiram-se humilhados e entristecidos. O que fez com que aos poucos a desistência foi maciça. E quando onibus passou, Não havia uma só alma disponível. Todas voltaram as suas rotinas. Esqueceram seus destinos e adiaram suas partidas. Esse fato deixou marcas profundas na esperança de nossa cidade, de modo que quando anuncia uma próxima viagem, é visto como um sonhador ou alguém que sem crédito.

Quando decidi partir, por razões de inteligência e experiência, não contei a ninguém. Simplesmente arrumei minhas coisas e fui para o asfalto. Conforme os dias, perceberam meu sumiço nos lugares comuns e minha presença constante naquele lugar. Isso fez com que minha idéia fosse comentada e combatida na cidade.

Sei disso porque alguns que tinha vontade, mas também junto com ela, medo, iam me visitar, me questionar. Outros me persuadir. Como não aceitei seus argumentos, foram, ou esmorecendo ou se fortalecendo na ideia que habitava de uma forma ou de outra todos os habitantes de Maiquinique.

O prefeito tentou me comprar. Seu medo era que todos na cidade tomasse o mesmo ônibus, e a cidade perdesse dinheiro, perdesse o comercio e tributos. Me acusou de estar contra o bem-estar da população. Foi embora raivoso e dizendo não mais me reconhecer e que qualquer catástrofe econômica que a cidade passasse, pra sempre estaria associada ao meu nome e ao nome de minha família. Me contou que o borburinho dessa nova partida estava crescendo e que até os velhos, gente que já desistiu de qualquer coisa, que mantém a tradição e a historia da cidade, agora também pensa em partir. E disse também numa fala forte e pausada, que a grande experiência do passado, que levou anos pra recuperar a auto-estima da cidade, não significou nada pra mim.

Minha mãe, minha pobre mãe que tanto amo, junto minha irmã e irmãos veio também. Chorou. Contou que sentiam muitas saudades, que se sentiam traídos porque não os avisei e nem seque convidei. Expliquei meus motivos que não foram compreendidos. Isso me deixou triste, desanimado até. Fiquei de pensar, fiquei de dar uma resposta. Coisa que nunca fiz, já que percebi num insite no fim de tarde, que estava sendo chantageado. Entretanto meu coração partiu mais um pouco. Cada não que falava uma lasca de meu peito se rompia. Me fragmentava e a duvida me consumia. Mesmo menor eu continuava na minha partida

Eu cheguei no outono e o inverno já beirava as serras, já se passavam alguns meses. Quando o grande amor da minha vida. A mulher, inclusive uma das responsáveis pela minha decisão, veio até a mim, com roupas leves, quase estravagantes, chegou dizendo que me amava, que estava errada durante todo esse tempo. Confesso que isso me balançou, quase permitir que meu coração assumisse minha missão. Tocou meu corpo, minhas mãos, me beijou apaixonada. Falou em meus ouvidos palavras que há muito não estava nela. soprou esperança e espulsou por momentos minha profunda solidão. Fiquei nesse estado de êxtase e descaminho por algumas horas e dias. Chegou a comentar que ficaria comigo, na minha solidão até que eu mudasse de idéia. Visto que ônibus ainda demoraria.

Depois de alguns dias ela desistiu de sua empreitada. Ficou claro seu fingimento e falsidade de suas palavras. Assim que faltou-lhe maquiagem foi comprar e não voltou mais. A chuva varria os campos, trazendo o inverno, a fome, a impaciência e pensamentos mórbido e assustadores. Aquele lugar já não fazia sentido.

Todos as pessoas que me visitaram não sustentaram seus argumentos. Ainda falta uns bom tempo para o ônibus partir. Até agora somente eu continuo na estrada. A indiferença da natureza me doi. Entretanto me mortifica e faz minha vontade ser superior ao que era. A estrada está sem fim. E o ônibus vai demorar. Ninguém mais apareceu já faz alguns dias. Desistiram talvez, ou percebeu que minha partida não signifique que a cidade vá mudar.