O MENINO QUE NASCEU SACI - Lia Lúcia de Sá Leitão - 8/05/2011
Ali, na casa dos meus pais sempre tivemos bibliotecas específicas, digo, um núcleo central no gabinete de papai que inchava as paredes por todos os lados. Era o recanto da casa mais culto pois, recebia todas as obras lidas das bibliotecas secundárias localizadas nos quartos de dormir.
Era proibido para as crianças permanecerem no gabinete sem a presença de um adulto, mas nunca respeitei essa norma e muitas vezes encarei uns sermões, depois castigos e o que não interessa, tomei uns bons safanões da mãe pela reincidência. Hoje entendo meus pais não queriam que eu visse o que vi; homens e mulheres doentes geralmente fotografados nus, mas eu vi todas as fotos, e descobri que o bilau dos homens cresciam e as mulheres ficavam peitudas e cabeludas, como sempre fui bocuda espalhei para os mais bestas que eu como se fosse uma sábia. Realmente devia ter levado umas palmadas a mais das que levei, pois só hoje consigo falar sobre o assunto sem dramas ou peso na consciência. Revelar um segredo de criança dos nove ou dez anos não é fácil, pois as imagens foram tão fortes que me perseguiram a adolescência e seguiram até hoje.
CARISSIMO LEITOR PERCEBEU QUE ESTOU ENRROLANDO PARA NÃO CHEGAR AO MEU OBJETIVO DO MENINO QUE NASCEU SACI? VOU ESCREVER SIM!,MAS NÃO QUERO DAR NENHUM TOM DE DEBOCHE, POIS O PROCESSO DE SUPERAÇÃO DA IMAGEM FOI LENTO E DOLORIDO.
Curiosos pela superação? Pois bem, consegui vencer aquela angústia depois que recriei uma verdade dentro do meu universo paralelo. Eu sabia que essa historia seria escrita não sabia como. Nesse instante em frente ao computador resolvo dar contornos aos meus assombramentos numa linguagem que cabe bem como as lendas que se modificam de acordo com o imaginário para ser editada em livros, cordéis, sites ou mesmo na oralidade das avós. As avós, explico o motivo dessas lembranças; as minhas avós não perderam tempo em povoar minha imaginação com as historias divertidas e criativas inclusive as bem assombradas.
Quando menina, eu passei uma época bisbilhotando uns livros de medicina no gabinete do meu pai, livros ee mil novecentos e lá vai o bonde, escritos em espanhol, verdadeiras obras de arte. Aconteceu que ao buscar aquele livro para folhear de cá pra lá, pimba! O livro escorregou da minha mão e caiu aberto numas fotos preto e branco de um natimorto, fiquei impressionada, era um ser parecido com um saci, tinha apenas uma perninha. Pensei, porque fiz isso? Abri um livro para sofrer.
Foi assim que tudo começou.
Noinício da história do Brasil existia um indiozinho que apreciava os encantamentos das matas, e criar peraltices para deixar os curumins enlouquecidos. O saci fez amizade com os seres da florestas que muito ensinaram sobreos segredos e magias. Depois de muito tempo, ele tomou conhecimento das outras crianças que moravam nas cidades e sonhou alto: pensou, nos assombramentos foi se divertir com a meninada medrosa do vilarejo mais perto e deu certo, as crianças quando entardecia já corriam para o seio do lar.
O saci também precisava dar alguns sustos nos mais atrevidos. O saci nasceu no Sul do país numa tribo indígena, tinha rabo e as duas perninhas. Era tão travesso e não perdia a oportunidade de assustar as pessoas. Mas o saci depois correu para o Norte e ao passar pelo Nordeste foi jogar capoeira na Bahia de ali todos tinham medo de suas artimanhas que machucava os companheiros sem dó. Um dia um rapaz negro chegado da África observando as trapaças do saci resolveu treinar, treinar e treinar até que ficou melhor que o saci e numa luta ferrenha aplicou um golpe e o saci perdeu uma perna e fugiu para o Norte.
Na verdade, mais impressionante de todas as histórias sobre o saci foi aquela que criei e só eu sabia. Assim me livrei do pânico daquela imagem e aterrorizava os amiguinhos mais bobocas da escola.
Uma mulher casou-se com o delegado da cidade que tinha ficado viúvo com uma filha órfã que era a menina mais bonita do povoado. Ninguém dali ousava namorar o delegado porque ele não olhava para as moças nem para as velhas, as que se candidataram para namorar um dos melhores partidos da cidade findaram solteironas e beatas inveteradas a encher o saco do Padre com as suas confissões de pecado, detalhe: assumo nesse momento que tinha feito a primeira comunhão e todo final de semana confessava os meus pecados ao Frei Martinho e rezava todas as orações que ele mandava para pecar novamente na semana seguinte.
Certo dia chega na cidade uma moça linda, uma professora, solteira e jovem. o delegado ao vê-la na Missa apaixonou-se perdidamente e tanto que fez que foi apresentado a Professora e logo estavam se divertindo na sorveteria da cidade. Ela se passou de fada madrinha para a filha do delegado que se encantou ainda mais com as gentilezas da moça e em tempo de Natal pediu a Professora em casamento.
O casamento foi assunto até no jornal da cidade, todos estavam felizes, mas a filha do delegado logo ia sofrer horrores com a madrasta, nunca entendi porque as madrastas dos contos de fadas eram lindas e malvadas, a professora da minha história não era diferente.
A Professora na frente dos pais dos alunos era a pessoa mais amável da terra, porém quando estava a sós com as crianças era detestável, batia,puxava cabelos, beliscava, e xingava sem piedade. Quem mais sofria era a menina porque via os sofrimentos de seus amiguinhos. Certa feita alguém espalhou que a culpa da Professora ser daquele jeito era da menina que falava mal de todos e a Professora se vingava das historias exercendo poder. Justifico a passagem com uma professora que tive no Colégio das Irmãs que adorava me humilhar na frente dos coleguinhas porque eu não acertava as contas de dividir e não conseguia decorar a tabuada, como todos riam de mim e eu vingava as maldades dela jogando lagartixas e pererecas dentro de sua bolsa.
Voltando a minha história.
Um dia a Professora deixou todos os meninos na sala de castigo e mandou a enteada dar bolos com uma palmatória nas mãos dos amiguinhos, como amenina se recusou a tal ato a mulher se transformou em um monstro, cresceu e cresceu de brabeza até pegar a menina pelas orelhas e jogá-la para fora da sala, a menina se desequilibrou na escada e caiu com a cabeço numa pedra e morreu.
A mulher disse ao marido que a enteada escorregou na escada e caiu de cabeça na pedra. O marido muito triste foi para a capital pedir transferência daquela região e ao retornar a Professora disse que estava esperando um filho e não podia ir para nenhum lugar muito longe, mas o homem insistiu e conseguiu ir para a cidade mais distante do estado do Pará. A mulher ficou na cidade até dar o tempo do filho nascer. Continuou ministrando aulas e a cada dia mais ruim e perversa.
Mas, o dia do menino nascer chegou e ela correu para a maternidade ao chegar os médicos correram, as enfermeiras prepararam o bloco cirúrgico e ela trouxe ao mundo um menino que tinha uma perna só, malvada que era, saiu às escondidas e jogou o menino no início da selva amazônica e sumiu no mundo para não ser presa pela polícia.
O menino foi criado pelos seres das matas e ali conheceu os segredos das ervas, protegia os animais dos caçadores, fazia travessuras com as mulheres em seus afazeres diários escondendo objetos. Como era careca roubou uma touca vermelha e pegou emprestado um dos cachimbos do vovô que procurava desesperado por toda a casa. Um dia aproximou-se muito da biblioteca de papai e foi bisbilhotar uns livros e como os livros de medicina são grandes e pesados o livro fechou bem na hora em que o saci lia uma das páginas sem entender bulhufas e pimba! O saci ficou preso no papel e adormeceu até o dia que uma menina o salvaria quando derrubava aquele livro e acordava o moleque de seu sono profundo.