A viagem sonhada! Será?



 
Desde muito cedo, ainda na promissora cidade de Jupitanga, na divisa com a Colômbia, sempre sonhei com esta viagem. Filho de humildes seringueiros, cresci sonhando em conhecer os “IUESSEEI”. Em minha infância, cresci sem televisão. Um rádio, apenas na casa do Senhor Romualdo, o delegado da cidade. Mas desde cedo ouvia estórias da “modernitude” daquele país. Ficava imaginando como seria nascer em um país rico e poderoso. Cada criança nascia com direito a televisão. Pelo que me lembre, a primeira televisão que vi foi na igreja local. O padre tinha uma que ele ligava nas quermesses, ninguém faltava. Às vezes me pergunto por que demorei tanto a ir à igreja, podia ter visto muito mais televisão.
 
Mas eu cresci, estudei e completei o antigo ginasial, mesmo assim na cidade vizinha, porque escola ainda não tinha na minha cidade natal. Hoje tudo é mais fácil, tem até ônibus para ir até a escola. É verdade que é um “onibusinho” bem chinfrim, e muitas vezes as crianças ainda têm que caminhar a pé até a escola por que o danado do ônibus quebra e a manutenção é lenta.
 
Como todo menino daquela época, me apaixonei pela professora de música, e fiz muito amor com bananeiras e alguns quadrúpedes.
 
Hoje sou homem feito. Trabalho para o senhor prefeito de Rio Pardo, em Pleno pantanal mato-grossense. Sou o responsável pela “logística de distribuição das informações e ordens do dia”. Não sei bem o que é isto, mas é o que meu amigo, mais antigo no mesmo cargo que eu, fala de seu trabalho. No fundo entrego e recebo malotes e cartas, uma espécie de estafeta local.
 
No geral sou feliz. Moro em um quarto que divido com o Robervaldo. O Robervaldo não fala muito, mas é famoso no bairro. Ele trabalha no circo. É o moço da água mineral. Ele vende água mineral em copinho, e a água dele está sempre geladinha.
 
Meu sonho de conhecer “as Americas” ainda persistia quando, de repente, passava pela nossa cidade o Sr. Richard. Com este nome ele deveria ser muito importante. O Richard vendia viagens para todos os sonhos. Eu passei a vida toda economizando e já tinha alguns bons mil trocados, e aquela me pareceu a hora certa para mergulhar de cabeça na viagem dos meus sonhos.
 
Meu amigo de quarto, medroso como só, e sem muita esperteza, falou que era perigoso acreditar em um estranho. Aquilo poderia ser uma fraude, e o Richard parecia ser um enganador.
- Como alguém com nome de Richard poderia ser um mentiroso? Pensei eu.
 
Meus olhos de águia e minha mente premiada jamais se enganaram. É verdade que eu sou um pouco azarado. Muitas coisas em minha vida acabam dando errado, mas se dão errado comigo, imagina só como teriam terminado com outras pessoas. Meus amigos não percebem a diferença entre não ter sorte e ser enganado. Nunca fui enganado, mas realmente a vida tem sido um pouco dura para comigo.
 
O Richard deveria ser um “lorde” em viagem de filantropia ajudando pessoas do interior a coordenarem suas viagens dos sonhos. Bem falante, cabelo assentado com creme, aquele sorriso que parecia ser moldado em sua “cara”, faziam dele uma pessoa confiável. Mesmo que tudo isto não bastasse, ele apresentou fotos de outras pessoas que tinham encontrado a felicidade, negociando com ele suas viagens. O melhor de tudo é que ele organizaria a viagem de forma completa, desde que, por pura segurança para o Richard, pagássemos adiantado. Na hora eu entendi onde ele queria chegar, no passado ele já deve ter sido enganado por muitas pessoas que não pagavam pela viagem. Apesar de ser um homem bom, ele não podia arcar com os custos das viagens dos sonhos de todos. Infelizmente, muitos de nós confundimos filantropia com abuso.
 
O chato da história é que para que ele conseguisse negociar os preços especiais, as viagens deveriam ser sempre planejadas com pelo menos 6 meses de antecedência, mas ele deixaria conosco suas credenciais, seus telefones, alem das passagens já pagas e reservadas e os hotéis agendados.
 
Não tive dúvidas. Corri a procurá-lo e iniciei minhas negociações. Sou ótimo negociador, e cheguei falando que queria visitar os “IUESSEI” das Américas, e de cara mandei o valor que eu tinha guardado comigo. Vocês não vão acreditar. O Richard tinha uma viagem que o custo total era exatamente o valor que eu tinha. Não titubeie! Sou esperto e antes que outro comprasse a minha viagem dos sonhos, eu fui logo pagando a minha para ele.
 
Este Richard é realmente muito bem apessoado e competente. Ele já tinha tudo. Abriu sua maleta e pegou as duas passagens. Pareciam dois “valchers”, mas ele me garantiu que eram da melhor empresa aérea da atualidade. Eram de uma tal Cooperativa de taxis do pantanal. Ele foi logo me explicando, para não deixar dúvidas, pois percebeu minha perspicácia, que era uma empresa de taxis aéreos e que minha viagem seria inesquecível. Neste momento respirei mais aliviado.
 
E os hotéis.. Quantas estrelas? Perguntei
 
- Fique calmo amigo. Respondeu ele.
Ele me explicou que era uma viagem modelo e que o conceito era diferenciado, especialmente elaborado para clientes de ótimo bom gosto. Os hotéis seriam em plena floresta de “Novaiorque”. Ele teria milhares de estrelas pois o teto do quarto era solar, você teria visão de todo o céu noturno.
 
Minha preocupação desapareceu por completo. Eu iria a “Novaiorque” e dormiria na floresta de uma tal de “Manratam”. Seriam minhas melhores experiências da vida, com certeza.
 
Como forma de boa fé, ele me passou tudo: As passagens, os registros do hotel, descrições de locais importantes para visitar em “Novaiorque e Manratam”, tais como, Eurotúnel, “torre Eifel”, muro da lamentações, muralha da china, castelos medievais, e uma outra infinidade de locais turísticos próximos a “Novaiorque e a floresta de Manratam”. Eu sequer estava com o dinheiro nas mãos. Mas como sou um cara correto em tudo que faço, fui até em casa peguei todas as minhas poupanças, levando-as imediatamente até a pensão em que o Richard estava.
 
Chegando a pensão, ela era bem simples o que reflete que ele não era realmente vaidoso, perguntei ao recepcionista: - Por favor, qual gostaria de falar com o Richard.
 
O recepcionista era bem simpático, logo abriu um sorriso. É verdade que o sorriso parecia meio sarcástico, mas deveria ser porque eu estava com o dinheiro e assim estava tomado por certo receio.
 
O recepcionista me levou ao quarto do Richard. Lá chegando fui logo lhe passando o dinheiro, e assim tinha quitado a minha parte na negociação. Agora era só esperar os sete meses até que a reserva pudesse ser utilizada. Retornei para o meu trabalho, feliz da vida por poder em breve realizar o sonho de viajar para “as Américas do norte”.
 
A noite, quando fui guardar a documentação da viagem, me lembrei de que talvez “seja” necessário tirar os tais de “vistos americanos”. Ele não comentou nada, mas também pudera, ele não tem culpa de um caipira como eu, apesar de inteligente como só, não conhecer as “leis da viagem”. Não tem problema, falta muito tempo. Amanhã de manhã vou até a pensão e peço ajuda em como conseguir os tais vistos.
 
Dormi excitado, e logo bem cedo acordei. Tomei meu café e fui direto a pensão. Chegando lá falei ao mesmo recepcionista que desejava falar com o Richard. Coitado do recepcionista, trabalha direto.
 
O recepcionista respondeu que o Richard tinha fechado a conta e partido em viagem.
 
Que droga pensei eu, mas ele deve estar ansioso por ajudar outras pessoas a encontrarem sua felicidade em viagens dos sonhos.
- Tudo bem, respondi ao recepcionista.
 
Enquanto retornava ao trabalho refletia na necessidade do visto, mas estava feliz porque em sete meses conheceria os “EUA das Américas do norte”.
 
A noite, chegando em casa, comentei tudo com o Robervaldo. Ele quase conseguiu estragar minha felicidade, maldosamente comentando que parecia tudo uma fraude. Na hora falei para ele não blasfemar contra um homem digno como o Richard. Argumentei que ele era tão ético que se eu fosse mulher me apaixonaria por ele.
 
Agora era só tirar o visto, e contar os dias para a viagem dos meus sonhos.


Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 05/05/2011
Reeditado em 05/05/2011
Código do texto: T2951395
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