Sombras

Estou te falando sério. Estou apavorado, precisa me ajudar. Demorei a te procurar porque achei que fosse coisa de minha cabeça. Você sabe, a gente comete muitas asneiras e confusões. Mas agora não. Desculpe trazer esse assunto, Sei que tem seus problemas. Além do mais, não queria te preocupar. Sei como você é. Mas...acho que...não tenho certeza. Não posso te dar certeza.

Só tenho indicios. Vou te contar o que está acontecendo. Pelo que conseguir concluir: Alguém mora comigo.

Ela já está em casa, já chegou em casa. Pelo barulho, sabe. Todo dias nesses horário, depois de um longo silêncio, vem barulhos pela casa, uma cantoria, ou um bater de panelas. Aromas. Cada vez mais nítidos, cada vez mais apavorante. Só pode ser isso: Alguém mora comigo.

Não sabia disso. Antes sentia livre e alegre. Mas de repente. Algumas pistas

Foram aparecendo. A casa limpa, a comida pronta, roupas lavadas. Eu jogava nos cesto

E as roupas apareciam passadas na minha gaveta. Varias vezes outros acontecimentos

Mostraram sua presença, que não era rara, mas intensa e continua. Quase não fico só, pelo que vejo. O quarto do meio sempre ocupado, o banheiro muitas vezes está fechado e ouço barulho de descarga. Os sabonetes acabam rápido, mais rápido do que esperado. A geladeira sempre cheia de comida fresca. Presta atenção: Eu não faço essa comida, e não compro. Não sei nem como se faz isso. Não sei. Não gosto de fogão ou de supermercados. Nunca fui. Quero acreditar que não estou louco.

Meio dia costumo ir até a cozinha, toda vez nesse horário a comida está pronta, e é diferente

conforme os dias. Nunca havia me dado conta com essa precisão. Vivia sem esses dramas.

Ontem ouvi vozes durante meu sono, vinha do quarto do meio. Levantei assustado, abri

A porta e vi um vulto sobre a cama. Desconfiei que fosse alguém, mas tive medo de admitir. Como faria

Pra terminar a noite se admitisse isso? O que eu faria. Eu estava com sono. O que me ajudou a desligar do assunto.

No outro dia como sempre fazia, acordei tarde. Sou preguiçoso, gosto de dormir. Mais precisamente

de ficar deitado até tarde. Mas olha que quanto acordei, sobre a mesa da cozinha um cuscuz com manteiga

E uma jarra de suco e café acompanhando. Meu coração disparou, se não tivesse com fome não comeria.

De passos lentos medrosos andei por toda casa , perguntando se tinha alguém em casa. Sentei numa cadeira,

E no susto, o forro do sofá havia sido trocado, corri para o quintal e vi roupas estendidas por todo varal.

Encostei no muro dos fundos com os olhos esbugalhados, estava diante do terror .

Agora era verdade, eu não morava sozinho. Parecia, porque de verdade mesmo não sabia. Fiquei

La fora até o medo passar. Em vão, só aumentava.

Encostei minha cabeça na porta dos fundos, e por algum tempo fiquei sem saida, não sabia que direção tomar. Se entrava dentro da casa ou se ficava ali, parado, pensando em desespero . E como seria administrar isso, agora que sei. Se sei mesmo, porque por enquanto é suposição. Mas tenho evidencias fortes, comida, roupa lavada, o barulho do sono, a porta do banheiro tantas vezes fechada, e nunca me dei conta,

E outra coisa que é forte . tenho hora pra voltar pra casa. Nunca me perguntei de fato porque tinha hora pra retornar, mesmo estando bom, mesmo sendo prazeroso. Simplesmente voltava. Agora tudo vai ficando claro. A escola, nunca gostei de ir a escola, mesmo assim eu ia a contragosto, sem vontade. Acha que estou certo. Acredita em mim? Ou eu estou louco?