Não sou nada

Fico pensando tantas vezes, que me dói a cabeça, por dentro. Não sei porque penso nisso, mas creio que essa casa não é minha. Nasci nela, mas não sinto que seja minha. Meu pai sente a mesma coisa, parece pelo menos. E não entendo, porque a casa é dele, da minha mãe. E por consequência, é minha também. Sou o único herdeiro. Essa duvida então não tem sentido. Pela lógica da filiação e do direito legal adquirido, não era pra esse sentimento existir.

Posso até esclarecer que quando a casa não é minha é como eu também não fosse de ninguém.

Ou exagerando, que não fosse pra ninguém. E pra mim é aterrador não ser de ninguém ou não ser nada.

Se sou nada, o que posso ser, o que posso fazer, como fazer uma ação ou mesmo uma banalidade

Como andar, dormir, e comer.

Dona Filu não era de ninguém, morreu amingua sem ter o que comer. Muito velha morreu de desespero

Quando não teve mais ninguém, que fizesse sua comida, ou lavasse sua roupa, ou pegasse seu remédio do coração no outro quarto. Morreu por ser nada pra ninguém. Seu Jason morreu engasgado, não teve filhos,

mulheres, não houve ninguém que batesse em suas costas pra expulsar o caroço de fruta entalado. Dona Raimunda morreu também por ser nada. Caiu no banheiro, quebrou a bacia e ficou deitada até a infecção

E a fome massacra-la, foi encontrada pelo cheiro que fez da rua um fétido buraco.

O que me incomoda muito é ver a rua florida, não nela, nas pedras, mas nas calçadas ou nas arvores

Que sobreiam sua beirada. Tem o rio também de águas turvas e profundas, mistério que gosto, contorna a cidade, que é bebido por a gente, quando a secura chega. Essa dona que mudou pra cá, linda, que me olha, me quer, parece. Mas se não sou nada, com posso ver. Tenho eu, eu sei, mas quando me projeto nas coisas, quando tento ver a vida através desses inventos, tudo escapa, tudo foge, nada é. O que é então. Isso é miragem. A beleza é mentira, existe mesmo tudo isso? A vida passa alem do que eu vejo com meu medo. Ou o que tenho quando relaxo e esqueço de tudo, Dona Filu, Seu Jason e outras vidas perdidas, é verdadeiro?

Não sou nada. Não tenho nada. E tudo se passa alem desse muro branco...não sou nada.

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 03/05/2011
Código do texto: T2946683