O DEDO DIVINO

Ao lado das piscinas do navio, Rodolfo e Marina, exultavam. Apreciavam dali, o magnífico espetáculo do pôr-do-sol. Suas fisionomias não deixavam por nenhum instante transparecer qualquer sinal de aborrecimento ou contrariedade; ao contrário, transmitiam a presença de uma paz interior, uma alegre e feliz serenidade. Há anos programavam fazer esta viagem marítima. Apostaram no favorito e acertaram em cheio. Sentiam-se uns verdadeiros milionários com a mordomia apresentada aos viajantes desse cruzeiro. O navio possuía de tudo: excelentes restaurantes, hidromassagem, academia de ginástica, teatro, cassino, boates, salão de jogos, biblioteca, joalheria, boutiques e excelente atendimento e serviços.

“Doravante já sabemos que tipo de passeio faremos em viagens futuras.” Rodolfo com leve sorriso assentia com a cabeça para sua esposa enquanto saboreava um copo de água de côco gelada. No dia anterior havia passado por uns maus momentos no jantar em um restaurante em Buenos Aires. Sonho antigo, quando adolescente, tinha certeza que num desses dias, estaria em algum restaurante no “barrio La Boca”, ouvindo “Uno”, “La Cumparsita” ou qualquer outro tango conhecido. Queria, ainda, ter o prazer de ver algum espetáculo de tango-dança enquanto degustaria de algumas garrafas de vinho tinto seco, saboreando alguma massa acompanhado da famosa carne argentina en el punto. Queria curtir com toda intensidade os momentos culturais vividos na capital portenha. Adorava a música, a dança e a lengua espanhola. Sua admiração e entusiasmo pela Argentina só sofria um corte abrupto e temporário, quando havia alguma disputa futebolística, em qualquer gramado do planeta, entre Brasil x Argentina. Por volta das 21 horas do dia anterior, estavam se aproximando do “El Angelitos”, um local que fora freqüentado pelo lendário Carlos Gardel.

Ao adentrar no restaurante, sentiu de uma forma mais potencializada, uma constrangedora ansiedade. Nem bem sentaram num dos lugares previamente reservados para esses turistas, aparece um garçom avisando que cada casal tinha direito a uma garrafa de vinho. Rodolfo sentiu certo tremor em suas mãos. O desconforto psicológico era visível. Marina questionou: “Tudo bem, Rodolfo?” Tranqüilizou a esposa, mas tinha a certeza que nada estava bem com ele. De repente sentiu uma imperiosa necessidade de sair correndo daquele ambiente. Nada estava acontecendo conforme seus sonhos de anos. Estava completamente apavorado. Ao perguntar mentalmente a Deus o que poderia estar acontecendo, a resposta veio de imediato: lembre-se que hoje você é um homem abstêmio. Ele fora um forte dependente de bebidas alcoólicas, estava em abstinência total, há treze anos. Optou pela abstemia e conseguiu. No Brasil, a todo o momento havia situações sociais que lhe obrigavam a conviver com pessoas que faziam uso social ou não de bebidas alcoólicas, o que para ele não fazia a menor diferença. A sua decisão em não querer mais beber, não lhe causava o menor incomodo ao lado de bebedores. Porém, nesta noite, foi terrível, sentiu uma violenta compulsão pelo álcool. Achou que tudo iria ruir: sua auto-estima, a confiança da esposa, familiares, amigos e sua dignidade. Bastaria ele ingerir um gole para que a fatalidade invadisse sua vida. Aproveitando de sua, ainda, sanidade, estrategicamente, pediu um suco de tomate que segundo o garçom, não havia no restaurante. Pediu que embrulhassem a garrafa de vinho para ele; pretendia presentear, oportunamente, seu irmão. O garçom afirmou de que não podia. O vinho tinha que ser consumido no jantar. Raivoso, irritou-se na hora com o garçom, mas para sua própria surpresa, readquiriu de imediato, o controle de suas emoções e sorrindo disse ao profissional: “Perdona-me, pero yo soy un borracho, no puedo beber. Quiero por favor, una água helada!” Com um olhar de cúmplice o garçom surpreendeu e tornou magnífica e tranquila o resto da noite de Rodolfo quando, com humildade, exclamou: “Yo te entiendo. Soy un borracho en sobriedad tambiém!”

Mentalmente, agradece a Deus todo o episódio da noite anterior, por ter colocado aquele garçom para atendê-lo. Para ele, a única coisa que faltou do antigo sonho, foi justamente a responsável pelo perfeito acompanhamento visual e auditivo, de tudo. Com toda a certeza se ele tivesse bebido algum alcoólico, não aproveitaria, absolutamente, de nada, pois certamente, o cantor e o dançarino da noite teria sido ele, até a hora que fosse convidado a se retirar do recinto. Exceto pela feliz não ingestão do vinho, tudo ocorrera da forma maravilhosamente sonhada. Serenamente, beijou a fronte da esposa e continuou assistindo, fascinado, o ocaso.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 01/05/2011
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