Fundo da América do Sul Parte 8
Então veio a decepção! Rasparam meu longo cabelo a zero, tirei a barba, e me colocaram dentro de uma farda de milico. Faziam-nos ficar em alerta no quartel, pois estava trocando o Presidente da República, poderia dar muita dor de cabeça nos militares se algo desse errado; eles temiam que o povo se levantasse contra o sistema que estava estrangulado e não tinha mais como voltar. (essa parte conto depois...).
Eu daria baixa em janeiro de 1985, mas o fdp do Presidente resolveu morrer, então minha baixa ficou para março; queria me matar, pois tinha comprado os ingressos para o Rocking Rio, ver todas as bandas que adorava, mas tive de ficar de verde-oliva limpando fuzil por mais uns meses.
Quando demos baixa, fizemos o maior puteiro, mijamos no chafariz do calçadão da Andrade Neves, e na confusão, atiramos um soldado da P.E. dentro, entramos em confronto com a P.E., levamos muita bordoada, mas também demos um monte delas! Lembro que foram vários garrafões de vinho no bar da Luzzo, antes de começar o tumulto; foi quando resolvi declamar um texto já algemado pela P.E. para as pessoas que passavam pela rua e que havia tornado-se palco de uma rebeldia juvenil, eu já estava ralado mesmo, então com a aorta pulando em meu pescoço, parecendo que ia explodir, da boca junto com as palavras saiam uma baba branca mostrando o nível de minha indignação.
- falei:
Viver é um grande jogo de xadrez
onde não há vencedor, só jogadas de estratégias;
O rei como grande condutor, e onde todos tentam chegar
vai-se vencendo grandes batalhas, mas a guerra ainda nem começou.
Que pode ser o bem contra o mal,
a sanidade contra a loucura,
o éden contra o calor dos infernos,
ou qualquer coisa contra outra;
Só pelo prazer da disputa.
O cavalo, cego de tanta força e obediência,
só faz tarefas sem perguntas,
o bispo, com seu ridículo puritanismo,
dá as ordens a sociedade do bem e do pecado;
lá vão às pedras andando e tomando terreno,
abrindo caminho com a morte súbita é claro, dos peões.
Peões grandes guerreiros de coisa alguma,
morrem na marginal da contra-mão
crentes que fizeram o trabalho bem feito.
Torres protegidas pelo sistema,
que dita normas para a democracia
estrategistas, que sem ela, não se elegeriam.
E lá vão peças à conquista da rainha.
Tentam despi-la do reinado de fantasias
ferem coração com a flecha da verdade,
tentando ganhar o jogo,
reinam sem reinado,
escondidos e trancafiados nos porões;
e ao passar tal casal da nobreza
com toda sua pompa,
diante da hipocrisia, todos se curvam em respeito.
Foi quando levei uma cacetada nas costas e me atiraram para dentro do camburão que já tinha uns três lá dento no espaço onde cabia no máximo duas pessoas, quando fechou-se o tampa, já estava escurecendo na rua, então ali dentro um lugar claustrofóbico tornou-se breu total, o único som que se ouvia era o da sirene e algumas risadas na parte da frente do camburão, nós ali atrás espremidos, com as mãos algemadas para trás, com medo, a boca e a garganta seca, a bebedeira começou a dar lugar a sobriedade, a sirene foi desligada, em uma rua deserta pararam a viatura, consegui ver pelas frestas da veneziana com muito esforço que havia pessoas nos esperando. Tiraram-nos como animais da mesma e dois simpala nos esperavam com oito homens, colocaram capuzes em nossas cabeças e atiraram-nos dentro dos porta-malas dos carros, andamos horas sem fim, naquele carro; eu preferia estar andando, pois no momento que o carro parasse eu acreditava que as coisas iriam piorar e muito para o nosso lado!