Sobreposição

Olha pra isso, Dudu. A carne esta derretendo no espeto . A gordurinha não se segura. Humm. Você gosta de carne? É muito boa né, com uma farinhazinha. Deu água na boca. Como está a Silvia. Ela está bem? Faz muito tempo que não vejo. É verdade que casou? Nem acredito, com aquele homem feio. É verdade. Muito antipático. Você acha. Só pode ser pela grana. Sempre gostou de vida boa. Só pelo dinheiro. Sei lá também. Nunca se sabe. Talvez, não. Ela era diferente. Põe mais farinha. Coloca pimenta também. Ela era mais velha que eu. Burrinha que só, hummm. Que delicia. Gosto assim, mal passada. Fica melhor, não perde o suco.

Fui o primeiro. Era jovem. Durou um ano, talvez. Mas me enchi dela. Muito superficial. Não. Gostava não. Papo vazio. Cadê o pano, Julinha? Limpa o chão aqui filha. Chama a mamãe, lá. Fala pra ela que água já está fervendo.

Espera um pouco, Dudu. Deixa a menina sair. Já já conversamos. Já ta bom filhinha, pode levar o pano pra lá. Papai te ama. Linda né? Onze anos, nem acredito. Mas então. Ficamos um ano junto, mas ela nunca esqueceu o ex. Nem gostava. Orgulho ferido. Tudo neurose. Apego. Amor mesmo não tinha. A vida é curta. Queria que eu esperasse esquecer. Não. E tinha aquela fartura toda. Não dava pra filosofar naquele tempo.

Depois na faculdade conheci Mariana e tudo esfriou. Era outra louca. Demorei a me escapar dela. Come mais. Tem que aproveitar, Dudu. Segunda feira é batente. Paulinho, traz um cerveja pra mim, filho. Te confesso que não estou acreditando que Silvia casou. Sabe que ela me procurou há uns dois anos. Queria conversar. Não tive coragem. disse que ainda pensava em mim. Foi um soco no estômago, imagina nessas alturas. Já é tarde. Olha o tamanho de meus filhos. Fiquei muito tentado. Nosso romance foi tão rápido e na época nem foi tão importante. Foi se tornando com o tempo. Engraçado como são as coisas. A gente muda tanto de opinião durante a vida. Acho que eu era muito desconectado que não via como eram as coisas. Obrigado, Paulinho. Já preparou a salada, filho? Põe bastante vinagre.

Vamos entrar, Dudu. Ta frio aqui fora. Lembro do corpo dela. que gostoso olhar durante o banho, ou dormindo de camisolinha. Ai, dudu que merda isso. Mariiiina, Sirva um pouco dessa salada pra gente. Não fica velha, né. Quinze anos juntos.

Já passamos poucas e boas, lembra quando ela descobriu aquele rolo. Foi feroz aquele tempo. Quase pirei. Mas tudo passou. Sosseguei e as coisas resolveram. De vez em quando quer falar quando fica insegura. Essas coisas elas não esquece. Te invejo, conseguir ficar solteiro, sozinho, dando conta de você. Parece que não, mas em certos momentos queria ter sua vida. Só as vezes. Quando vejo tudo, ai dou conta, percebo que vale a pena. Claro, tem esses momentos, que tudo parece pouco. Olha pra isso...Não é bonito, tudo isso?

Nesse verão quero pintar a casa. Trocar o gramado, cuidar mais. Deixo tudo parado. Dedicar, sabe. Não custa nada. A mulher gosta, Dudu. E tenho ótimos ganhos nas noites. Uma coisinha ali, outra acular e fica mais suportável viver junto.

Nem sei se é amor o que sinto. Mas me acalma. Fico mais seguro com ela. Quando estava solteiro fazia muita merda. Vou preparar uma caipirinha. Tá afim? Quer que faço uma pra você? Mariiina, onde você colocou o limão? Vodka ou cachaça, Dudu. Sempre gostei com cachaça. Pra mim bate rápido. Pra você, vodka. Sei que é um cara chic. Você sempre foi sofisticado, eu não. Muito franco pra ser dá alta. Olha só a sua camisa. Acho que nunca tive uma camisa dessas. Mas fica bem em você. Quer mais carne. Daqui a pouco cantaremos o parabéns. Quinze anos de casado. E ainda faço festas, não é foda, Dudu. Somos muito perversos com a gente mesmo.

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 26/04/2011
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