O RIACHO DO MOLEQUE
RIACHO DO MOLEQUE
Manhã cedinho e na areia branca do riacho, os contornos dos corpos, e os rastros daqueles que sob a luz do luar passaram a noite ali sob macio colchão do riacho. Indiferentes à música dos pirilampos e ao mugido da manada e aos mistérios que aquela noite de luar lhes reservava às margens daquele riacho. Espalhados pela caatinga ouvia-se os gritos: Heia, heia, heia! Os vaqueiros tentavam arrebanhar a boiada dispersa para continuarem a viagem, mas alguma coisa parecia contrariar os esforços daqueles bravos vaqueiros habituados a azáfama.
Vinham de Goiás tocando a manada pelas antigas estradas orientando-se pela rede de telégrafo até chegarem ao matadouro na capital de Pernambuco. Dizem que antes, foram interpelados por Maria Augusta um maluco cabeludo e barbudo, sujo e aparentemente meio desorientado, que lhes aconselhara quanto ao mistério daquele riacho, mas fizeram pouco caso daquele louco exêntrico. Muitos contratempos no percurso, com aqueles animais que ficavam para trás. Um boi que se desgarrava, uma vaca picada de cobra, outra doente. Os vaqueiros estão aflitos por chegar logo ao destino. Faziam de tudo para controlar o gado, mas, era como se algo estivesse contra eles, separando e espalhando algumas rezes. Sofreram bastante mas conseguiram levar a metade das duzentas rezes ao matadouro e se lembraram do que lhes havia falado Maria Augusta,uma figura sensacional, para alguns uma espécie de lunático, travestido de mulher mas porta-se com decência, não mexe com ninguém e dizem que profetisa.
Uma peculiaridade foi notada por todos os vaqueiros ali nas imediações daquele riacho. Todas as fêmeas haviam se perdido pala caatinga, somente os machos prosseguiram ao matadouro. Conversando entre si, perceberam que durante a noite seus pertences haviam sido misturados, suas botas estavam cheias de areia, o capacho de outro se encontrava semi enterrado, a carne seca que levavam tinha sumido a metade, e os seus animais estavam assustados e eles proprios etavam apreensivos.
Cada um atribuindo essas ações e os cuidados a algum companheiro não ousaram tecer comentários.
Porém os moradores da fazenda Canabrava conheciam muito bem os fatos que somente eram evidenciados na extensão daquele riacho. Sempre que qualquer vaqueiro percorria suas areias claras, religiosamente tinha que tirar o chapéu, fazer o sinal da cruz, rezar um Pai Nosso e só então nada de misterioso acontecia. Foi o que não ocorreu com aqueles vaqueiros que desconheciam o mistério e não deram ouvidos a admoestação de Maria Augusta.
Era uma preta comum como toda escrava, mas nas terras do coronel João Gonçalves as coisas não iam lá muito bem, falava-se em divisão de herança e o clima não era dos melhores. Na fazenda Sol de Prata, no município de Itacuruba, próximo de Araticum, alguns escravos já haviam sido dispensados ficando apenas os fortes e saudáveis. As negras mais bonitas também ficavam e outras menos afortunadas mesmo não tendo condições de sobreviver, eram expulsas da casa grande e tinham que enfrentar léguas, distancias enormes até encontrarem um local e um meio de vida.
Aconteceu, entretanto, que Nair mesmo sendo das mais bonitas, uma linda escrava vinda do Congo na África, achou-se grávida de João Pedro filho do coronel. Isso causou desconforto na Casa grande da fazenda Sol de Prata lá pelos lados de Itacuruba. O coronel João Gonçalves e sinhá Genoveva que não eram nada bonzinhos decidiram que a escrava não poderia ficar na casa grande e muito menos nas proximidades de suas terras e resolveram expulsá-la. Mandou um capataz arrumar algumas coisas para escrava, e levá-la algumas léguas até a proximidade das terras de Simpatia, pertencente ao coronel Antonio João que era tido como um coronel bonzinho. Lá chegando, próximo de um riacho, sob a sombra de um velho umbuzeiro largou a grávida Nair, que ali mesmo procurou fazer sua rústica tenda.
Fez também no riacho próximo, uma cacimba de onde tirava água para beber, tomar banho e fazer comida. Armou uma arapuca onde pegava codorniz, juriti, outros pequenos pássaros. Fez ali um mundéu onde pegava preá, mocó etc. Após meses nasceu-lhe um belo menino, pele morena e olhos claros como os de seu Senhor. Brincava nas areias claras e na ribanceira do riacho era a alegria de Nair. Ainda muito pequeno conheceu grande da extensão do riacho e da caatinga nas proximidade da tenda seu teto e seu lar.
Sua mãe lhe contou toda sua triste história, de como fora expulsa sem piedade da fazenda Sol de Prata; Aos sete anos ele ajudava e cuidava de sua mãe, que veio a adoecer até que adormeceu deixando-o solitário ali mesmo às margens do riacho.
Um dia o moleque resolveu percorrer o longo caminho de volta à fazenda Sol de Prata, do coronel João Gonçalves. Porém ao chegar lá se dizendo filho de Nair, não foi bem recebido. Temendo mais um herdeiro o coronel mandou seu capataz espancá-lo e expulsá-lo como fizera no passado com sua mãe.
Fez longa jornada de volta, triste e ferido no corpo e na alma, por muito tempo permaneceu ali às margens do riacho. Suas feridas inflamara e ainda criança sem os cuidados daquela que o amamentou, deitou-se sob a areia do riacho e nunca mais correu pela caatinga nem brincou na ribanceira do riacho.
Passado tempo, a terra ficou mais povoada e vaqueiros sempre diziam ter visto um moleque correndo e saltitando na ribanceira do riacho. Era sabido que novos moradores conheciam fenômenos que ocorriam naquelas bandas do riacho, principalmente a Maria Augusta. Sabe-se que protegia as fêmeas. Por isso naquelas bandas, sabe-se que pessoas e principalmente as prenhas, ou algum animal mesmo doente, ao beberem da água da cacimba do riacho ficavam livres de todo a qualquer mal.
Até hoje é conhecido como o Riacho do Moleque, e quem tiver dúvidas sobre os fatos misteriosos que acontecem por ali, é só ir até lá, na fazenda de Sr. Manoel Borrego cavar uma cacimba no leito do riacho e beber da água. Não se esqueça de tirar o chapéu e rezar o Pai Nosso.