Diário de "D"
Os ponteiros deste relógio que está ao lado de minha cama, sobre a cômoda, há muito estão parados. Olho e eles já não me dizem as horas, mas me trazem ao pensamento a sensação de que tudo está como antes; e ao contrário do que diz a música, o tempo pára, sim. E assim está a minha vida. É como se apenas o cenário mudasse, mudassem os personagens; mas o enredo da história é o mesmo de antes, de sempre.
Em casa, aquelas mesmas discussões mesquinhas que não levam a nada, ou melhor, levam à destruição de nossos nervos; e eu não me eximo disso.
Como o mundo está doente! E não vejo o que possa curá-lo. “O amor!”, dizem vozes ressonantes. Pobre sentimento! Há muito esquecido, corrompido, vendido. Hoje não se tem mais tempo para sentir qualquer coisa que seja - estão todos autômatos – quem dera amar. Existem coisas mais importantes, mais urgentes. É só olhar como se comportam as pessoas no dia-a-dia: atarefadas, atabalhoadas, estressadas. O medo as domina. Será que eles não vêem o que eu vejo?
Não sei se isso, essa percepção, me dá alguma vantagem em relação a todos eles, ou me põe para trás. A verdade é que eu mesmo, às vezes, necessito deste vício, desta vida. E não imagino que qualquer homem sóbrio sobreviva por muito tempo cercado por ébrios. Ou estes o eliminam, destroem-no, ou a sobriedade daquele, em pouco, se desfaz. Logo estará contaminado.
Será que é isto que nos iguala nestes tempos? Pertencer ao mesmo círculo vicioso da vida? O que existe em cada um dos homens que ainda os aproxima?
Vejo esta corrente em meu pescoço e o crucifixo dependurado: é meu símbolo favorito. Meu vizinho, por sua vez, carrega a “estrela de Davi”; e isto em nada nos iguala. Na verdade, vivemos por detrás destes símbolos, escondidos; e não do significado que cada um deles nos revela. Mas não era assim que cada reino era identificado, e ainda o são, com seus brasões; e cada exército, com seus estandartes e escudos?
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