Luiz, a Vida e a Maria-fedida.

Lá ia Luiz com seu Chevette ano 83, cor bege, atravessando o Estado..., talvez, também, o estado anímico do ser.

O vimos quando passou por nós, atravessando Jeriquara, no sol das quatro da tarde, nas vésperas de um feriado santo.

Ninguém sabia de nada, era outono, mas, com a mesma expressão indiferente de sempre, de quem apenas vai, Luiz ia, ouvindo Ramones e curtindo o dia.

Gritamos seu nome, mas quem disse que a alguém Luiz ouvia? Que nada, por nada, acelerava... E no toca-fitas Ramones pulsava...

Luiz gostava, e muito, de Ramones. Estudava a banda, os caras, suas psicologias e patologias; conhecia todas as músicas e letras de cabo a rabo. Tinha todas as fitas de todos os álbuns e conhecia cada um como a palma de sua mão; as músicas, sabia de cara e a qual álbum pertencia, seus números e seqüencias. Era, por assim dizer, um PhD em Ramones.

Naquela tarde de sol, quando menos esperávamos, uma chuva cristalina caiu; não havia nuvens e as gotículas caindo à nossa frente fez com que parássemos o carro a fim de orarmos ao “Arquiteto do Universo” para que nos poupasse de nossas insignificâncias e com isso prosseguíssemos com mais força! Assim oramos!

Todos ajoelhados debaixo de uma velha árvore, na curva da estrada, olhando para o céu azul, com gotas de cristal brotando ao léu, molhando nossas faces e aos nossos mil pecados limpando..., limpando..., lágrimas, cânticos e chuvas caindo, caindo e a tudo limpando...

Alguém chorou ao fundo; não me recordo quem.

Já reparou na resistência do inseto? Digo um do tipo Maria-fedida.

Pois bem, outro dia fui chutando uma até o gramado do quintal (arrastando com o bico da chinela, na verdade, pois, se puder evitar, não mato nem inseto!), para que desaparecesse de minha frente sem que precisasse matá-la. A cada chute, a cada rolada adiante, ela se postava em pé sobre suas quatro patas, como um soltado extremamente preparado para o combate, esperando o próximo chute, a próxima investida, intrépida. Algo impressionante. E ali ela ia se postando, impassível à morte, olhando-a, olhando-me, talvez, de frente, em pé, dignamente, como um bom inseto.

Jamais compararia o Luiz a um inseto; coisa que não é. Luiz é homem lido, engenheiro do dia-a-dia, sem diplomas, mas cheio de conhecimentos e honras.

A analogia feita é entre o que raros homens possuem e o que Luiz e os insetos possuem: a pertinácia de levar cada dia no peito, sobrevivendo dentro de uma vida louca, à qual profundamente não se dá a mínima em questionar ou se aprofundar, por puro respeito ao “Jogo”.

Está no meio do jogo, e o meio do jogo cabe a Luiz e à Maria-fedida jogarem!

Savok Onaitsirk, 21.04.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 21/04/2011
Código do texto: T2923053
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