Impressões de Quem Esteve Por Aqui
Antes de me sentar sobre a cerâmica fria do meu quartinho e por “algo” moderno em meus ouvidos para não ouvir o barulho dos que lá foram vozeiam, confesso que nada de grandioso passava por minha mente.
Mas, agraciado por minha própria curiosidade de caçador constante, pus algo agradável para ouvir, e nesse instante, vejam só, não sei se minha sensação estranha, diria assustadoramente inefável, ao ouvir o movimento três da sétima sinfonia de Beethoven pusesse-me em um alto cume (reitero por tão grande elevação que penso ser isto) me faria esquecer do cheiro do ingá se abrindo em minhas mãos de menino inocente que, naquele tempo, nada via em seu adiante. Os altos e baixos daquele som me levaram a um patamar de transcendentalidade nunca antes experimentado (e saibam, senhores, que sou um caçador assíduo).
Foi esta, se não me confundo um pouco, a minha primeira impressão da vida. Eu era menino quando abria os frutos no meio do mato e, já há tanto tempo, eu ainda podia sentir o cheiro do ingá se abrindo. E correram passagens pela minha cabeça como quando se toma um remédio forte ou usa-se algo alucinógeno. E cores passavam, também. Minha irmã brincando com pregos, enfiando-os na terra, fazendo casinhas com eles, iludindo-nos (a mim e aos meus irmãos pequenos) sobre uma vida confortável que tanto tempo demorou a deixar de ser ilusão.
Mas eu me via pequeno. E lembrei que eu já sabia coisas; ou penso melhor e corrijo então: eu já sentia coisas. E sentia coisas que ninguém ao meu redor sentia. Eram sentimentos particulares que, só para mim, Deus havia guardado. E era, sobretudo, minha primeira impressão da vida como já disse antes (saibam, senhoras, que sou um caçador aplicado).
Eu podia sentir ainda o cheiro do ingá se abrindo em minhas mãos de menino que sentia coisas. Tanto tempo já havia passado e o cheiro continuava vivo, intenso. Nem o cheirinho frio do vento de chuva que sopra pela minha janela agora me faz concentrar em outra coisa. Mas o sono me vem e parece que não vai desistir de me levar a deitar. Entendam-me, peço só.
Não posso me alongar aqui, mas não preciso me desculpar com quem está por aqui, pois queria, simplesmente, fazer exalar o cheiro do ingá se abrindo em teus olhos agora (falo contigo que está aí) e que foi a minha primeira impressão da vida.