A manhã de um jovem senhor
A MANHÃ DE UM JOVEM SENHOR
Newton Schner Jr.
Era Domingo.
Há uma seqüência de dias, acordava tarde. Sempre um tanto triste e sonolento.
Era dificultoso respirar. Fazia-o pela noite, com a boca aberta. Com isto, tremia mais que o normal. E através do pano de sua camisa, notava a abrupta forma com que batia seu coração.
Há não muito, limitava-se ele a pequenos lanches e tragos de chá.
Agradava-lhe permanecer fora de casa. Parecia não suportar o clima do próprio lar, tampouco os agrados caninos.
As costas pesavam-lhe mais que tudo.
Para ler, debruçava-se sobre a mesa. Mesmo de lápis à mão, não passeava os olhos sobre os parágrafos da forma com que deveria. Seu relógio mental parecia estar em atraso.
Sobre a mesma mesa, cartas a serem respondidas. Livros a serem enviados. “Crime castigo” em sua versão no idioma original e outra em português, que o ânimo não o levou a compará-los, gramaticalmente falando.
Diferentemente de tantas outras manhãs, permanecia em silêncio.
Certas questões de ordem familiar o afligiam. E ele, no mais íntimo do seu ser, ficava a se perguntar: “Teria esse sentimento de incompletude estado agarrado ao dorso de outros homens?” Teria, talvez, tido eco entre os grandes mestres?“.
À parte das próprias realizações, vivia como que imerso em insatisfações. Teriam sido os dias? A forma com que acordara? Fato, não o sabia.
Encontrava certo conforto nas memórias de Goethe ou nas cartas de Wagner. Mas se perguntava sobre a origem do seu mau humor.
Era um jovem, mas cujas roupagens faziam-no senhor. Tinha também algo próprio, de moderno: eis sua chaga. Em nada se encaixava por completo.
Buscou se animar. Teve à mente a figura de Schopenhauer e a forma com que este trata de uma categoria muito especial de homens, que, apesar dos feitos, sempre estão rodeados pelo sentimento de insatisfação.
Criava mesmo uma teoria, junto aos tragos do chá sem açúcar e do estômago vazio: “Os homens que buscam além”, pensava, “necessitam da insatisfação. Se com outros boa é a aceitação, não se pode deixar-se seduzir. A mente é infinita. Tal qual a Filosofia e a Literatura, o gênio criativo se desenvolve necessariamente no conflito. Talvez seja por isso que ainda colhemos os frutos de povos guerreiros como os hindus e os gregos”.
E da tristeza, sorriu. Satisfez-se ao compreender sua própria insatisfação.
Dizem alguns que a primeira virtude teria sido fé; outros, a dúvida. Para ele, contudo, a grande dádiva do homem tinha outro nome: insatisfação – buscar além. Pensou então em Emerson: “Aquele que quiser ser um verdadeiro homem deverá ser não-conformista”.