Ardidez
Olha só que vergonha nossa categoria. O governo, esse governo não sei não.
Não olha a gente. Não sabe de nada da realidade das coisas. Sou puta
Há vinte anos. Nem gosto desse nome. Mas é o que a gente é né. Não tenho nada. Tudo que ganho gasto. Sem fundo de garantia. Alias nem segurança a gente tem. Hoje mesmo, estou exausta, uma dor na boceta,
Ta ardendo mesmo. Desci aqui pra comprar uma pomada. Quanto tá, seu carlos?
Quero aquela amarela que comprei da outra vez. Muito boa, trabalhei sossegada a tarde toda. Mas faz um desconto, foi o olho da cara. Atendi doze ontem. Sabe o que é isso, abrir as pernas doze vezes num dia? Tem mulher, as sérias eu falo , as de família, não consegue abrir duas e já se sente usada, já se sente humilhada Imagina nós, que faz disso o meio de vida.
Imagina se a gente trabalhasse numa empresa, Com todas as garantias, horário de almoço e vale transporte. O governo não tem visão. O mundo, o dos homens eu falo seria muito melhor. Comercial na televisão, batimento em imposto de renda. A economia ia girar. O casamento seria mais feliz, não tinha mais esse negocio de traição. Era um serviço legal oferecido por uma empresa especializada. Mas não, o que a gente tem? Nada! Cinquenta reais e tem desgraçado que quer amor ainda, quer beijo na boca, ai ai. Por cinquenta reais quer amor. Tem uns que até trato bem. É bom porque volta, dá presente, pensa que é amante. Tadinhos, se eles soubessem quantos assim é comigo. Todo homem é mole assim é? Nossa senhora, chega da pena deles.
Hoje atendi dois, não fez nada, ficou só conversando, falando mal da mulher. Que não gosta dele,
Que ele dá tudo, que ela não reconhece as coisas que ele. Mas porque ficar com uma mulher dessa? Depois a puta sou eu. Homem mole esse, Seu carlos. Enquanto ele desabafava eu pensava, “bem feito seu corno”. Essa puta, deve ter um amante e fala a mesma coisa dele. Gosto dessa profissão por causa disso. A gente sabe de coisa que até O diabo ficaria com medo. Embaixo do tapete, seu Carlos, ta tudo comido de cupim. Ta tudo corroído.
A gente, Seu carlos, as putas. Coloca numa sacolinha pra mim., Seu Carlos. Somos importantes demais. O homem chega em casa, a mulher ta braba. Não tem nem razão pra tá, mas tá. Tem besta que quer descobrir porque a mulher da enfezada. Mulher é assim mesmo, insatisfeita de natureza. Então, chega em casa e não tem atenção, Não tem sexo, a comida é ruim.
Agora imagina se essa insatisfação não for canalizada pra nada. Porque explodir ninguém explode. Acha que essa ditadura. Porque isso é uma ditadura né, Seu Carlos. Acha que toda essa insatisfação não derrubaria o sistema? A gente tem muito valor, mas ninguém reconhece. Ai fica assim, essa dor entre as pernas e a incerteza de que manha vou poder trabalhar. Essa história de que lavou ta novo, é mentira viu, é mentira. Limpa ou suja envelhece. Hoje só pego velho. Os menino novo, os gostosinho, não quer mais não. Ganho meu dinheiro, mas e o prazer? A vontade de vir trabalhar, tá cada vez menor.
Quanto foi seu, Seu Carlos? Me dá o troco de cibalena. Bom, já vou. Desculpa ficar desabafando assim. É que tem dia que não aguento. Esse mundo é muito cruel com a gente. Quando o senhor vai fazer visitinha de novo? Passa bem, Seu Carlos!