MILAGRE DE OLHOS
Desciam no trem o subúrbio. Pader empertigou-se tentando não demonstrar espanto. Nunca havia andado de trem, sem nunca ter havido necessidade. Thiago combinara, Vamos comigo, amanha (sábado) lá na casa da minha avó, é na Baixada Fluminense (ele conhecia?) Não. Lugar com nome engraçado, não?, hem, e riu, Vamos de trem, comboio. Aventura!, pensou Pader amarrando os cabelos longos para trás. Sentiu-se meio tonto embarcando naquilo, e Thiago bem intimo do transporte, pulando alegre, os cabelos longos, crespos, pretos e desgrenhados; a pele bem morena, usava ainda um brinco de argola na orelha esquerda, a barbicha grande e crespa, calçado com seus velhos e gastos tênis all star de cadarços imundos, e vestido com bermuda jeans surrada e uma camisa preta do Slayer com uma estampa monstruosa. Sentou-se debruçado na janela do trem em movimento. Pader mantinha-se empertigado, tentando disfarçar o receio daquele transporte tumultuoso, mesmo num dia calmo como aquele. Seus belos olhos verdes passeavam pelo ambiente pichado do vagão, pelas pessoas com roupas rotas e caras cansadas que se encostavam por ali. Bem vestido em uma bermuda camuflada, com tênis all star pretos mais conservados, riscados apenas na parte branca com nome de bandas de rock, e uma camisa preta da banda Heloween, com um cordão de uma cruz de metal meio enegrecido como pingente pendendo do pescoço ao peito.
_Tá com medo alemão – perguntou rindo, Thiago cuspindo pela janela.
_Não, cara, não, apenas tou estranhando – disse sacudindo os ombros, tentando se mostrar mais a vontade.
_Nunca andou de trem né, hem só metrô, ônibus, taxi, carrão da vovó. Playboy – gargalhou estabanado, e uma mocinha de pele negra e cabelos crespos olhou-os sorrindo, fixando seu olhar mais em Pader.
_ Para de balela, não sou playboy – disse e devolveu o sorriso para a garota, que puxou o vestido mais até o joelho como num gesto de mostrar que era decente – estudamos até no mesmo colégio – complementou ainda, franzindo levemente os lábios, e o trem parando na estação a moça levantou-se polidamente nos gestos ensaiados de decência, sorriu-lhe por sobre os ombros, e o olhou mais uma vez. Pader sentiu a cotovelada do amigo, “Ai hem, ganhou a pretinha. Pretinhas adoram branquelos”. E suspirando, apoiando o queixo na janela do trem que voltara a movimento, foi dizendo – por enquanto estudamos no mesmo colégio, por enquanto... Pader empertigou-se ainda mais, pareceu mesmo esquecer o receio da sua primeira viagem naquele transporte, e perguntou:
_ Por que por enquanto cara?
_ Pader, meu pai não está nada satisfeito com minhas notas, cara – disse passando a mão pelos cabelos que o vento revoltava – sabe, se eu repetir (o que é quase certo) ele vai me tirar de lá e me colocar numa escola publica para terminar o segundo grau.
_ Mas não é justo – disse Pader arregalando os olhos – porra, você já está perto de terminar.
_ Se eu repetir vou ficar mais longe de terminar – disse dando de ombros –e no fundo ele esta certo, aquela escola é cara para caralho, o ensino é muito puxado. Na escola publica posso passar por aprovação automática – nem olhava o amigo balançando a cabeça censuradamente – ah, ah, eu não consigo levar todas aquelas disciplinas na “flauta” como você, ainda ouvindo som para caralho, tocando guitarra, aprendendo inglês, lendo Senhor dos Anéis – riu vendo que o rosto branco do amigo ficara escarlate – como você consegue cara?, deve ser seu sangue frio de alemão, hem – e tocou-lhe ao ombro – eu sou muito agitado, ouço trash!, trash!, death!, no ultimo volume, e te arrasto todo final de semana para essas “bagunças” undergrounds, bebo para caralho. Sou muito esculachado! – definiu-se.
_ É só arrumar um tempinho para estudar, relaxar, um metal mais melódico – e riu colocando a língua para fora.
_Para você é fácil, mas para mim é difícil, uma batalha! – carregou à voz árida – meu pai me deu maior esculacho ontem à noite – revelou cruzando os braços junto ao peito, encolhendo as pernas no assento – na hora da janta, falou que eu tou com ilusão que sou playboy (nada haver!), que ele rala a semana toda para ainda pagar este colégio para que eu tenha um futuro, e eu só quero saber de ouvir trash – riu numa careta cômica, de súbito – disse para eu ser lixeiro, é mole, falou assim mesmo Pader, “Você não quer ser Trash, não quer ser Trash, vai trabalhar no caminhão de lixo” – e gargalhou junto com o companheiro – ainda disse que eu tinha que cortar o cabelo – fez o gesto da tesoura indicando o corte, como assim havia feito o seu “velho” – e que tinha que parar de ficar ouvindo musica de maluco. Chamou o nosso sagrado heavy metal de “porcaria” – acrescentou num tom soturno e velado de voz – é mole, Pader, é mole. Porra!, sai do sério, mas fiquei na minha. Sou moleque! Minha mãe, coitada bem que tentou me defender, disse que ele tinha que me entender, que eu sou apenas um garoto,e garotos são assim, melhor gostar de rock que gostar de funk – bateu no ombro do amigo – a coroa que falou viu, me defende mamãe. Ela acredita que eu quero ser um baterista, e vou trabalhar fabricando skate, vou sim, você vai ver. Não vou servir mais para nada – passou a mão no nariz como se o limpasse – quero tocar igual Lars Ulrich, ah, igual – e fez o gesto das baquetas nas baterias. Mas deixa, deixa, quero mesmo ir para uma escola publica. Para que escola boa se nem sei que vestibular prestar – sacudiu os ombros.
_ De repente eu posso ajudar – sugeriu Pader com gestos animados com as mãos – em que disciplinas você está mais em dificuldade?
Thiago riu, debruçou-se na janela, deixou o rosto um pouco ao vento e voltou-se para o amigo:
_ Pader, eu sou um caso perdido. Olha não tem aquele livro que você me emprestou, do Stephen King, né, historia de terror. Tive preguiça de ler – e escondeu o rosto entre os joelhos num riso misto de encabulamento e deboche – não passei da pagina nove – acrescentou voltando o rosto risonho.
_ Mas a pagina nove é onde começa a historia – disse Pader tentando controlar a vontade de rir.
Deu foi uma boa gargalhada, pondo-se de pé, Chegamos!, Parada final. Pader levantou-se também, e acompanhou-o um pouco tonto, embora, acudiu as mãos aos bolsos da bermuda, enquanto Thiago gesticulava muito dizendo, enquanto subiam a passarela passando entre a pequena multidão que se formava na estação:
_ Pader, você leu mesmo aquele livro em um só dia, cara? – Pader balançou a cabeça afirmadamente, intimamente envergonhado (talvez) de sua capacidade, e por admitir – Porra como tu consegue alemão?, caralho!, olha eu começava a primeira frase e quando ai passava para a segunda frase, voltava para o começo de novo. Tive vez de ler um parágrafo todo, mas depois percebi que o que aconteceu no segundo parágrafo parecia não ter nada haver com que eu estava lendo e recomecei de novo (tentei), ai me deu um bruta sono, os olhos querendo fechar, então coloquei um puta som do Metallica, Batterry!, para ver se ajudava (você me disse que heavy metal te dava concentração), mas fiquei foi concentrado no som trash, Battery, Welcome home sanitarium, porra como ficar indiferente... e o livro ficou para outro dia – já desciam os degraus para a calçada da rua – Olha Pader! – gritou cutucando-lhe pelo ombro – o que acha, hem?, cheiro de gasolina e diesel misturado com cheiro de bosta de vaca – e esfregou o nariz. Pader o imitou no gesto, parecia mesmo mais tímido, encabulado, quase como um estrangeiro. Não era rico, mas sua família era oriunda de uma família de classe media alta, de uma media burguesia tradicional, descendente de uma família quatrocentona cujos valores (embora ele desconheça) eram a beleza, a cor da pele, a inteligência e o saber “fazer a vida”.
Seguiram andando, Pader acompanhando-o pela direção a que era levado, observando o bairro simples de casas desiguais; algumas sem muro, outras com muros desabados (lembrou sua mãe falando-lhe sobre seu pai, o punk alemão que deixou a marca da sua bota nos escombros do muro derrubado), casas em construção de esqueletos de alvenaria, carroças puxadas à mula e cavalo passando a levantar poeira junto com automóveis. Thiago percebeu os olhos do amigo curioso a observar o ambiente da periferia da Baixada Fluminense, tocou-lhe ao ombro com o seu, fazendo-o dobrar uma esquina que dava para uma rua onde as casas pareciam mais raras, e disse:
_Curtindo a paisagem, alemão – e Pader riu.
A casa da avó de Thiago ficava entre dois terrenos baldios e a frente de uma casa de alvenaria mal acabada. A velhinha estava à janela, e como seu quintal não tinha muro, apenas uma cerca de arame na frente cheio de plantas agarradas, algumas desabrochando flores desengonçadas, ela pode avistar os dois meninos que se aproximavam. Reconheceu o neto, mas não o menino louro que o acompanhava. Tão branco, será uma menina?, pensou ainda a vista não muito boa, levando a mão a testa para fazer sombra a luz forte do sol, um lenço estampado amarrado na cabeça escondendo os cabelos crespos grisalhos. Ao que mais se aproximava o neto lhe acenou.
_Olha, a minha avó – disse a Pader apontando-a a janela., e este sorriu como que inibido.
A velhinha um pouco encarquilhada os recebeu a porta, alisando as mãos de dedos artríticos sobre o pano simples e gasto de um azul apagado do seu vestido. Pegou o rosto do neto entre as mãos duras e enrugadas, beijando-o e exclamando:
_ Menino levado!, que cabelão é este?, - e nem reparava na camisa com estampa de monstros, mas reparou o brinco, o cavanhaque tipo uma barbicha, De bode!, exclamou na gargalhada quase, rindo ele junto com ela – por isto que a Suely está que nem doida. Tá aprontando hem. Levado!
_ Que nada vó!, sou comportado –disse encabulado, esfregando o nariz, olhando para Pader, que se mantinha calado ao lado dele, sorrindo.
_ Mas esse menino – perguntou ela finalmente mirando-o - Que menino bonito! Este – e sorriu.
Pader corou, ficou mesmo tolhido, encabulado, ali a frente daquela porta. O quintal de chão de areia arborizado, algumas latas com plantas folhudas plantadas junto à parede.
_ Meu camarada, vó, Pader. É um nome um pouco difícil – foi dizendo enquanto a velhinha olhava-o insistentemente – ele é alemão – brincou ou falou serio, seu tom de voz galhofeiro sendo inseparável – é lá do colégio – foi acrescentando – nos conhecemos lá. Curte rock como eu, fizemos logo amizade. É isto ai.
A velhinha parecia não entender muita coisa que o neto dizia, admirada olhando o rapaz louro a sua frente, reparando-o com seus olhos míopes e cansados. Um sorriso.
_ Entrem, por favor – disse afinal como se acordasse de repente, e virando-se para Pader – não repara que é casa de pobre – e seguiu a frente, lançando um olhar preocupado nos arranjos dos moveis simples da sala, conduziu-os a cozinha por um pequeno corredor cujas paredes amareladas ostentavam holografias de santos por toda parte. Pader atentou para uma imagem renascentista de São Sebastião crivado de lanças preso a um tronco pequeno, mas que no fundo guardava a imagem de um castelo medieval no topo de uma colina.
A cozinha era pequena e acolhedora, a mesa de madeira simples forrada com um oleado vermelho ostentava um cesto de arame cheio de goiabas de cascas amarelas. Thiago puxou um banco tosco e se sentou, mandando que Pader se sentasse a cadeira, pegando uma goiaba e o oferecendo outra. Pader recusou torcendo levemente o nariz, buscando de imediato um sorriso cômodo, lançando um olhar evasivo sobre o ambiente, tentando ficar a vontade, mostrar-se a vontade, Vão acabar me achando metido à besta, cismou pensativo, mas estou apenas acanhado.
A velhinha trouxe a garrafa, ofereceu-os café, mesmo cuidou em pegar pães no armário, manteiga dentro da geladeira de tinta um pouco gasta assim como o armário. Havia uma estatua de São Cosme e São Damião em cima da geladeira ao lado de uma rosa branca dentro de um copo com água. A rosa branca pendia sua corola tristemente, em suas pétalas abatidas.
Pader aceitou o café, levando o copo à boca sentiu-o frio, mas ficou quieto, ouvindo Thiago contar para a avó como andava as coisas em casa: O pai aborrecido com ele por causa de suas notas, a mãe bem de saúde trabalhando, etc.
_Ela teve aqui esta semana – foi dizendo a velhinha alisando um pano úmido sobre a base do armário – me disse que o Carlos quer tirar você do colégio pago, que acha que você só quer farra, ouvir musica alta – e olhava para Pader, que ainda bebericava do café frio, apertando os olhinhos míopes – menino toma juízo, seu pai é tão bom. Ganha bem!Eu fiquei tão feliz que a Suely encontrou um homem mais velho, mais bom – foi dizendo num assomo de animo arquejante, torcendo o paninho, os olhinhos míopes fitando Pader, admirada, enquanto Thiago mordia a goiaba, os cotovelos sobre a mesa, rindo, dando de ombros.
A velhinha aproximou bem o rosto do de Pader, inclinando-se míope e disse:
_ Você sabe que a mãe desse menino sofreu muito. Minha filha. Ela era gamada num malandro ai das redondezas. Coitada, sabe mulher como é quando cisma... Sofreu quatro abortos – fez um gesto com as mãos dos quatro dedos bem nos olhos impressionados de Pader – até que resolveu, desistiu, tadinha, tadinha, e danou a trabalhar, trabalhar, pegar trem, pegar trem, levantar cedo, levantar cedo...
_Vó – interrompeu Thiago com voz manhosa de gíria – o Pader não quer saber dos podres da nossa família não – e riu olhando o rosto escarlate do amigo.
_ O Carlos é muito bom! – prosseguiu a velhinha como se o neto nem a tivesse interrompido, ainda torcendo o paninho entre os dedos artríticos – sabe menino – foi olhando Pader bem de perto – ele comprou até fogão, maquina de lavar para me dar. Sempre me agradando. É um ótimo genro. Tenho ele como um filho. Das minhas filhas, de quatro que tenho, a Suely acabou acertando melhor depois de tantos desastres, tadinha...
_ Vó o Pader vai ficar maçado com essas historias – disse Thiago levantando-se, chegando junto à porta que dava para o fundo do quintal, cuspindo os caroços de goiaba, e voltou-se, rindo, olhando o amigo que sentado tentava se acomodar na cadeira, mesmo soltando os cabelos que caíram fartos e dourados por sobre os ombros, impressionando ainda mais a velhinha que o olhava com admiração.
_Mas é um menino tão bonito – exclamou – parece ser filho de gente rica.
_ E é vó.
Pader franziu os lábios dizendo que não, mesmo falando que morava com a avó que é professora.
_ A mãe dele trabalha e mora em Londres, na Inglaterra – foi dizendo Thiago aproximando-se, pegando a garrafa e colocando café num copo, e provando quase cuspiu fora – Vó esse café tá frio!, frio não, gelado!
_ Acho que seu Agenor teve aqui, bebeu do café e esqueceu a garrafa aberta – disse como se o fato não devesse maiores ou melhores explicações, e seus olhinhos míopes continuaram fitando embevecidos o semblante de Pader, que procurou se empertigar, sorrir para a velhinha como em retribuição por aquela certa veneração.
_Muito bonito este menino – exclamou emocionada – nunca vi um garoto tão bonito – dizia tocada – parece um anjo do Nosso Senhor!
Com essa Pader teve que rir junto com Thiago, que tratou de arrastá-lo para o quintal, enquanto a velhinha avisava que ia fazer um bolo de fubá, e pegando Pader pelo braço, afagou-o pela camisa como se o quisesse ajeitar, foi perguntando se ele gostava, e ele disse que sim, já menos inibido, mais empertigado.
_ Você é lindo – repetia alisando a estampa da camisa sem se atentar para a figura – posso chamar a Dona Matilde para ver ele – perguntou virando-se para o neto.
_Vó, vai querer transformar o Pader em atração para os vizinhos – disse Thiago gargalhando e arrastando o amigo com ele definitivamente para o quintal. Subiu num galho de goiabeira e lá de cima foi falando para o amigo de mãos nos bolso embaixo – minha avó fala para cacete né, gente velha é assim mesmo. Solidão, eu acho. Tenho medo de ficar velho por isso. Sempre se fica doido, mais doido.
Pader lançou um olhar para cima, afastando com gestos melífluos os cabelos dos olhos, franziu os olhos e o cenho por causa dos raios de sol que filtrava entre os galhos da arvore.
_ Ela é boazinha – disse – agora aquela de me comparar a anjo – e abaixou a cabeça rindo.
_Anjo Gabriel ou o Lúcifer – perguntou Thiago pulando do galho da arvore na agilidade de um felino – Ah, Pader minhas férias de infância sempre foi aqui – como se fosse um tempo remoto era seu tom de voz – pipas com a molecada, bola no campão. Nem ficava com saudade do vídeo game em casa, tanta liberdade para molecar. Banho de caixa da água – levou Pader até o galinheiro ao fundo do quintal, e agachando-se falou que às vezes, quando bem molequinho gostava de ficar espiando as galinhas pondo ovos, e gargalhou. Pader, de pé, alcançou um galho da amoreira que se enredava pela cerca junto ao galinheiro. Puxou algumas folhas.
_ Quando eu for à Londres – foi dizendo – acho que no final do ano que vem, quando me formar no colegial, vou estudar a possibilidade de te levar comigo.
_ Sério – animou-se Thiago erguendo-se – Inglaterra, terra do Bruce, do Halford, Do Ozzy. Berço sagrado dos monstros do rock n roll – foi ufanando o tom de voz.
_ Vai ser legal para caralho – disse Pader como se já fosse possível.
_Final do ano que vem, hem, hem...
_É, minha avó falou que a Jennifer, quer dizer, mamãe quer que eu vá para lá assim que formar no colegial, mas não para morar. Passar férias, conhecer outros países da Europa – complementou vaidoso, passando a mão pelos longos cabelos louros, sacudindo os ombros levemente – mas vai ser umas férias du’ca não hem.
_ E se vai – completou o outro
_ E você vai comigo – prosseguiu apontando-lhe o dedo, com o cenho franzido – vamos curtir muito rock, heavy metal na terra dos súditos da rainha; os monstros sagrados do metal – e cumprimentaram-se com um bater de testas, os braços cruzados como em queda de luta, rindo, fingiram ainda um chutar a canela do outro. Chocaram os ombros como se tivessem numa roda punk, então acudiram as carreiras para dentro da casa logo sentiram o cheiro de café fresco, E dessa vez quente!, disse Thiago sorrindo para Pader.
A cozinha já havia visita. Thiago reconheceu a tia encostada a pia, com uma garota descabelada agarrada-lhe a barra da saia chorando. Sua priminha. Pader ficou da porta, enquanto a mulher saudou o sobrinho abrindo os braços num gesto largo não de abraço.
_Thiago – disse – resolveu aparecer. Cada vez mais cabeludo – olhou-o de cima a baixo, mediu-o – está mesmo um roqueiro – e se voltando para a velhinha que arranjava a mesa – hem, mamãe, o Thiago é tal como o Luciano.
A velhinha alisou a toalha rude de oleado com certo ar tristonho.
_ Nem parece ser sobrinho, parece mesmo ser filho – continuou a mulher em tom exaltado – as mesmas manias de rock, de guitarra, cabelo grande – e Thiago foi pegando a priminha no colo, perguntando-a o que ela tinha, porque chorava tanto, a conversava emendava em outra fácil, no mesmo tempo que ela tentava explicar o porquê, Thiago dizia algo engrolado, rindo para a menina.
_Cadê o menino – foi a velhinha perguntando, voltando-se de repente como que atônita sobre o ambiente. Colocando a menina no chão, Thiago foi puxando Pader pelo braço da porta até dentro da casa, dizendo, Tá aqui, Vó seu anjinho. Pader corou rindo, e a velhinha virou-se para a filha que também olhou o rapaz, admirada.
_Veja Flávia que rapaz mais bonito, não? – disse – lindo, parece filho de gente rica, olha que pele branquinha, branquinha. E lourinho. É amigo do Thiago! – complementou com certa vaidade.
A mulher apenas sorriu e pegando a menina pela mão foi dizendo que já ia, antes disse a Pader, Prazer em conhecer você.
_Mas não vai esperar o bolo, está quase pronto – perguntou a velhinha seguindo-a.
Depois de tomarem café com bolo, Thiago anunciou que iam dormir ali, Está bem, amanhã cedo iriam.
_Não Thiago – retrucou Pader – não trouxemos roupa nem escova.
_Oras, escovas de dente compramos ali no armazém do seu Agenor – disse – e não vamos morrer se dormimos uma noite sem trocar a cueca – e gargalhou, e Pader apenas sorriu sentindo o rosto em brasa.
Avisou ainda que sua avó ia fazer janta especial, só por causa dele, o anjinho dela, foi debochado, rindo, levando-o com ele até o quarto que era dele ali naquela casa,e que já fora também do seu tio Luciano. Chegara a conhecer ele, olhasse os discos dele ainda estavam ali, mostrou-lhe uns vinis antigos num caixote em cima de uma cômoda velha de madeira gasta. Pader olhou os discos interessado. Antigos LP’s: Led Zeppelin, Motley Crue, Twisted Swister (riu com a figura da capa), Guns N’ Roses. Tinha um aparelho de som numa banquetinha junto a janela, e Thiago disse sentando-se a beliche simples forrada com uma colcha de retalhos:
_ Escolhe um ai para a gente ouvir – e apontou o aparelho de som – é antigo para caralho esta porra, mas faz um barulho legal, acho que nem eu era nascido quando se comprou este som. Nem tem entrada para cd.
Pader pegou um LP do Megadeth que achou, encantado com o bolachão, iguais ao que sua mãe deixara para ele.
_Seu tio também curtia Megadeth – disse colocando-o no prato, acionando a agulha.
_Para caralho, tio Luciano era zuadão – disse Thiago na sua voz debochada, mas num tom meio saudoso, sentindo o som meio chiado do vinil penetrar a atmosfera no tão conhecido Metal dos dois. Era como ouvir heavy metal a cowboy, hem, brincou Thiago, a seco, comparando como se fosse um conhaque ou um uísque.
_ Mas você fala “era”, por quê?, ele morreu? – observou Pader recostando-se ao batente da janela aberta de par a par, sentindo-se mais a vontade.
_ Ah, doido é como se tivesse morrido – disse Thiago num gesto de sacudir os ombros, inclinando-se para descalçar os tênis – tio Luciano se mandou para São Paulo – foi falando de cabeça baixa, desamarrando os cadarços – sabe a vovó ficou muito triste. Ele, o único filho homem, sempre ao lado dela. Namorava, mas não gostava de casamento. Ela amava e ainda ama muito ele, minha vovozinha – jogou os tênis para um lado – fica a vontade ai cara – aconselhou – daqui a pouco vamos lá no armazém do seu Agenor. Vamos comprar as escovas, tomar umas cervejas – franziu os lábios, esfregou as mãos uma na outra animado, sacudindo os cabelos ao som do Megadeth, tocando guitarra imaginaria.
Desceram a rua, com as mãos no bolso, Pader queria saber mais sobre o tio Luciano, e de braços cruzados sobre o peito, Thiago foi falando que suspeitavam que ele andasse envolvido com drogas, mas suspeitavam, e ele se mandou para São Paulo (segundo sua avó) num acesso de querer mudar radicalmente de vida, Fazia sentido?, hem, sacudiu os ombros, a vida fazia pouco sentido, nada podia ser assim tão bem esclarecido, hem, Pader concordava num arquear de sobrancelhas. Thiago apresentou-lhe uma menina moreninha que vinha subindo a rua, e ela pareceu sorrir tímida embora se vestisse a vontade e parecesse simpática o bastante. Disse a ele estar com saudade, e pareceu não ter grande interesse em Pader. Contou a Pader, logo prosseguiram a rua, que já fora sua namorada, e sim ficara bem gamadinho na danadinha, complementou rindo, mas que achava que ela estava serio com um cara ai, bem empregado e não moleque estudante como ele. Ela era mais velha, avisou.
O armazém era um grande galpão de balcão e prateleiras pelos cantos das paredes, com cadeiras e mesas de plásticos espalhadas, já ocupadas com homens que bebiam, fumavam e assistiam futebol na TV sobre um pedestal junto ao teto. Thiago cumprimentou uns daqueles homens, e um de bigodes e costeletas que fumava chamou-lhe a atenção para falar, mesmo esqueceu do futebol na TV pegando-o pelo braço.
_Que bom que você apareceu garoto. Como vão as coisas naquele bairro bonito que a Suely foi morar e que você esta sendo criado? O Luciano deu vôo na pipa mesmo, hem, mas o Tarso que está em Sampa disse que o encontrou lá para as bandas de Itu. Itu ou Cubatão, não sei ao certo – olhou-o de sobrolho carregado - - as cidades são próximas? - o rapaz sacudiu os ombros, não sabia – bom ninguém sabe, hem, assim da noite para o dia. Será que foi a derrota do Brasil para a França na final da copa daquele ano,hem?, foi na segunda feira seguinte, você nem deve lembrar, ainda era muito pirralho – riu e o garoto o acompanhou, olhando para Pader, e só ai o homem observou este – e este lourinho ai, hem, seu namorado? – e riu debochado. Thiago riu também, mas Pader carregou o rosto num semblante enfezado, e comentou o asco que teve do sujeito, e apoiando-se no balcão, Thiago informou-o que era o tal “malandro” que sua avó havia falado cedo.
O velho atrás do balcão, gordo, careca e pachorrento reconheceu-o, serviu-os cerveja, perguntando a Thiago pelos de sua casa, falando muito, tudo ao mesmo tempo, perguntando e respondendo. Pader observava o ambiente, ainda se sentindo como um estrangeiro, e bebericando a cerveja até conseguia se sentir mais a vontade, mas lançou um olhar enfezado na direção do homem que os abordara, esfregando uma mão em punho na palma da outra “me confundindo com bicha hem”.
Depois de duas ou três cervejas, Thiago chamou-o para regressar, dizendo que a jantinha especial já devia estar pronta, e mesmo saíram carregando, ambos, cervejas em cascos para casa. A velhinha os esperava sentada na cadeira sob a luz azulada da lâmpada fluorescente.
_Vó não tem lâmpada incandescente? Perguntou o rapaz seguido de Pader que reparou de novo na estampa com a imagem de São Sebastião na parede. O que? Bobagem minha, sacudiu os ombros tentando afastar a cisma. Jantaram, beberam as cervejas, conversaram de boca cheia, depois revezaram para tomar banho, escovaram os dentes. Conversaram um pouco no quintal, mas havia muito mosquito. A rua ficava as escuras, não tinha iluminação publica, e era preciso recorrer a uma lâmpada incandescente dependurada lá no alto de uma jabuticabeira quase na rua.
Aquilo é uma coruja?, apontou Pader da janela do quarto para a escuridão do que parecia uma copa de uma jaqueira. Thiago chegou junto a ele à janela, olhou a direção em que o amigo apontava, e disse que sim, era uma coruja.
_ Aqui tem muitas!, você gosta de corujas?
_Corujas, corvos, gralhas. Mas lobos me fascinam mais – completou sorrindo, prendendo os cabelos entre as orelhas e citou Moonspell: “Somos memórias de lobos que rasgam a pele, lobos que foram homens e o tornarão a ser”.
_Uau, Black metal poético – disse Thiago num assobio, e cofiando a barbicha – você esta namorando a Elisa?
_Ela te disse isto?
_Não, eu não tenho intimidade com ela maluco. É que...vi vocês dois juntos na praça... de mãos dadas... eu pensei na Lilian, aquela ruivinha, você vivia louco atrás dela.
Pader olhou para a direção da escuridão onde a sombra negra da coruja se desenhava empertigada nos olhos de rubi brilhantes e declarou:
_Foi tudo onda da brincadeira da pulseira do sexo –e abaixou o rosto, envergonhado?, por quê?
_ Ela nem deu para você – observou Thiago num risinho sarcástico.
_ É não deu nada, só me usou para fazer aquilo nela. Me disse que era virgem.
_Acho que é mesmo – falou Thiago sentando-se no batente da janela, erguendo os braços sobre os alisares de cima – também não quis nada comigo – declarou sacudindo os ombros.
_ Mas eu vi ela com aquele cara de costeletas... é Rodrigo acho; os dois agarrados dentro banheiro masculino – cuspiu pela janela.
_Mas acho que ela não fez nada com ele, dizem que ela só gosta de... de... – arqueou as sobrancelhas maliciosamente, pulou da janela para dentro do quarto. Pader deixou-se ficar debruçado a janela, e seus cabelos louros eram como luz aureolada na escuridão intensa no fundo do quadrado da janela.
_Você ainda é virgem – ouviu a pergunta vinda da voz debochada de Thiago, e não conteve o riso logo a gargalhada .
_Sai do meu pé – esbravejou com enfado mais sem raiva de verdade, Pader.
_ O que tem ser virgem – disse Thiago tirando um colchonete de debaixo do beliche, forrando-o no chão, levantando-se e pegando uma colcha na gaveta da cômoda, virou-se para ele – olha as garotas estão mais doidinhas ainda por você sabendo disso.
Sentiu o rosto em brasa, fechou o cenho enfezado, cruzou os braços sobre o peito.
_Todo mundo tá comentando isso de eu ser virgem!
Thiago já havia forrado o colchonete, e desabou deitado, com os braços cruzados sob a cabeça e as pernas cruzadas, rindo foi pedindo que amigo relaxasse.
_As meninas do terceiro ano, sabe, inclusive a Samanta, estão apostando qual vai conseguir tirar o seu cabacinho.
_Que papo nojento com o meu nome envolvido – disse ele com o rosto abrasado, arfando de ódio – eu não vou dar confiança a nenhuma dessas à toas, “pega-tudo”, vadias como essa Samanta – fez uma careta contrita de nojo – prefiro continuar virgem.
_Orgulhoso – declarou Thiago em tom irônico, acomodando-se no colchonete e indicando-lhe o beliche – a caminha é sua.
_Não, eu que durmo no chão – obtemperou Pader, mas com a cara enfezada, e vendo que o outro lhe tinha um riso sarcástico, todo debochado, foi para cima dele cobrindo-o de safanões, e começaram a simular uma briga que parecia de verdade. A velhinha entrava no quarto e quase chegou a acreditar que os dois brigavam mesmo. Nada, vózinha, é sacanagem, foi dizendo Thiago rindo, empurrando Pader que se sentou na cama, abrindo um sorriso para a velhinha.
_ A comida estava boa – foi ela perguntando, admirando-o.
_Sim estava ótima. Obrigado – disse ele num leve arregalar de olhos, num tom de voz gentil.
_ São lindo seus olhos – disse o afagando nos cabelos – você vai voltar outra vez?
Pader sentiu um tom melancólico de saudade na voz dela,e avisou que sim, que voltaria com o neto dela outro dia. Ela inclinou-se beijou-o na testa, depois beijou o neto, afagando-o no rosto, tomasse juízo, estudasse, pensasse no sacrifício do pai dele.
Em vão, pensou num bufar ao se deitar logo a velhinha saiu. Pader também se deitou, tirando a camisa. Não vou conseguir passar no vestibular mesmo, foi enveredando seu juízo atormentado pelo cargo das obrigações, Só faço faculdade particular, paga, mesmo assim, olhe lá se eu conseguir, Em que?, musica?, talvez. Existe? Pader parecia dormir, ressonava já. Soergueu-se pelos cotovelos, observou-o, Feio para caralho, cismou, Não sei o que a Elisa viu neste cara, Mas é meu amigo, e muito amigo, Gosto dele, mas otário porque podia pegar muito mais garotas, É virgem porque quer, e eu que peguei a primeira nem catorze anos tinha, mal tinha cabelo no saco, e sorriu dando de ombros, Lá naquela casa abandonada, Será que está abandonada ainda?, foi cismando, lembrando de uma coruja voando, negra, mas porque já escurecia. Mulher velha, devia ter mais de quarenta, Que pintinho pequeno, me disse tirando sarro da minha cara, e respondi, Que melões enormes, e me afoguei neles naqueles peitões, Me deu vontade de mamar, mas ela veio com outras coisas, com as unhas, O pintinho tá crescendo!, safadinho, Vem que vou te ensinar como se faz, ainda disse, Safadinho você não esquece mais. Gostei!, puta que pariu como gostei , queria reviver essa primeira vez, e foi recostando a cabeça no travesseiro, virando-se, após apagar a luz. Pader dormia sereno. Anjo! Só minha avó mesmo. Só por que é branco e louro. Horroroso. Amigão, amigão mesmo, tenho que convencer ele a perder esta virgindade, da uma ajudinha. Pagou tudo no show do Sepultura. Entradas, cervejas. Showzaço!, doideira, fomos lá para turma do gargarejo, de cara com o palco. Orgasmatron, literalmente, remedei Pader dando razão para ele. Lá fora, antes de entrar na casa de show, a ansiedade, o ingresso na mão, Não acredito!, Sepultura ao vivo! Escondiam-se garrafas de vinho pelas jaquetas. Um calor, mas a galerinha é de andar assim, às vezes de touca. Pader com seus coturnos pretos, calça e camisa preta do Rammstein, coleira de espinho de metal, maquiagem negra entre os olhos, e um headbanger careca chamou ele de emo, Ô seu louro, ô Vanusa, emo, aqui não é show para bicha não. Comprei o barulho dele, peitei o careca, mostrei meu pulso de couro carregado de espinhos de metal, Esmago tua cara se continuar ofendendo meu camarada! Lá dentro Pader mostrou quem era bicha, mas foi na roda punk, nada de porrada e baixaria à toa, o careca até se aproximou rindo, oferecendo Ice, falando que não levasse mal a brincadeira, abraçando ele por sobre os ombros, sacudindo a cabeça, os dois, e Pader dizendo, Tudo bem, Tudo bem, mas prefiro cerveja, cervejas, Ice é bebida de emo!, e o careca riu, riu e se afastou, e foi eu e ele para roda punk de novo, a galerinha embolada, Não é que reconheci o playboyzinho do Danilo, chamou só o Pader, me cumprimentou entre dentes, deve me achar um pé de chinelo, Foda-se! ele, Trash Metal não é coisa de playboy, porque não vai para casa vestir uma bata azul e ouvir seu Melódico fazendo uma trancinha naqueles cabelos lisos de franjinha, quem sabe tocando uma flauta, dando pulinhos como as criaturas daquelas historias que o Pader ler e me conta. Livro grosso para caralho!!! Mais de mil paginas, a letrinha tamanho de nada, e leu aquilo em menos de um mês, arrumando tempo para matemática, e ainda leu o obrigatório do Aluisio não sei o que não me lembro mais, fez um resumo caprichado para mim, e assim eu não precisei ler o livro todo, ou antes não li nada. Apresentei a ele “O Covil”, e ele ficou amarradão no clube underground, Mas nada de melódico aqui, fui avisando, Aqui só toca Trash, Death, Doom, Black metal, Punk, Anarkopunk , zoeira doida. A foto de um cara de terno de testa sombria, em preto e branco, a sombra do homem da foto era uma barata enorme. Ele me disse o nome do escritor, mas esqueci, esqueci mesmo...Ah, lembrei, Gregor Samsa, é esse o nome do escritor, me disse que “O Covil” é o nome de um conto deste Gregor Samsa. Falei que tinha um lugar ali dentro da taberna, mas para lá para o fundo, fui apontando, Tem uns livros, tipo biblioteca se as pessoas querem ficar lendo, ele arregalou os olhos e foi lá conferir, mesmo me arrastou, Mas eu queria ficar lá na roda punk, mas desci com ele para o sótão (era um sótão?) tinha uns degraus velhos de madeira que rangiam (nunca havia descido ali em meses que já freqüentava o ambiente), paredes forradas com estantes, livros, livros velhos outros nem tão velhos assim, mesas espalhadas com cadeiras, mesa com poltronas. Tinham alguns doidos, assim tipo alienados escondendo os rostos esquisitos entre o livro aberto, e espreitava a gente com olhos espantados. Pader sacudia seus cabelos louros, chegando junto a estante, escolheu um livro, me disse, Olha A montanha mágica!, era o nome do livro acho, mas a grossura do livro dava até dor de cabeça olhar, Melhor voltar lá para cima, hem Pader, segurei ele pelo punho, acho que o Carcass toca hoje aqui, Sério?, foi ele tão admirado quanto com o livro,e apareceu uma garota de visual gótico, um chapéu longo de feiticeira, foi se aproximando, sorrindo, sorrindo, mas sorrindo mais para Pader, louquinha para dar para um branquelo, louro e de olhos verdes, Mas disse para gente que era a bibliotecária, se assim podia chamar o pequeno espaço, E logo percebi que era gordinha, mas pela meia calça preta rasgada que ela usava notei que tinha as coxas maravilhosas, mas só dava trela para Pader, Larguei os dois lá, subi os degraus, rangendo que nem uma porca aquela porra!, correndo, fui para a boca do palco, Animal!, sonzeira deathcore, só agitando bicuda sem baixaria, na diversão, depois que parei para beber uma cerveja para refrescar apareceu Pader com cara espantada (Mané), Você me largou lá, Eu que não acredito que você largou a bibliotecária gótica doidinha para te dar. Esse Pader!, ai está!, dormindo como um bebezão, Tem garota ai louca por ele e ele se fazendo de desentendido, Você parece o Kurt, disse foi quem?, aquela patricinha de mochilinha da Hello Kitty, pirralha, acho que nem treze anos, e da sétima serie, mandou cartinha perfumada para o alemão, O lobinho, diz a Elisa, esta é boa! Coisa melódica, bom, eu que sou brutal demais também, mas como mulher, nem tanto, mas não sou donzelinho, Mas banca legal, mesada da mamãe, tem até cartão de banco. Dormiu. Falou tanto a consciência encontrou paz num cobertor: o sono. Ronca. Pader ressona. Sonha. Não acha que é sonho, mas acha estranho aquela voz fanha, embora a atmosfera insólita do sonho, Mas cadê o rosto?, só esta vendo a camiseta branca grande demais num corpo mirrado, Ah, tá ai a imagem do São Sebastião crivado de lanças, preso a um tronco com o torso nu, a cara torcida, o castelo medieval como detalhe no fundo, é naquela camisa. Desculpa, falou Pader por que a voz foi firme e seca e direta, e atravessou a calçada e veio de encontro, Estava distraído! (com o que?), acho que não deu para ver ninguém. Era uma camisa com aquela estampa de São Sebastião andando sozinha. A voz saia, parecia, não, era um gemido nasalado apenas. Uma rosa branca de corola murcha pendia de um cálice ou copo com água em cima de uma geladeira e ao lado da imagem dupla dos santos.
Sonho! Acordou. Abriu os olhos sonolentos, bocejando, espreguiçando-se. O quarto estava aceso pela luz alaranjada da manhã. E ouviu um canto de galo quase como na janela, e outro mais distante respondendo, e outro mais distante respondendo...
Rodney Aragão