A CRUZ QUE VIROU ARVORE

A Cruz que virou árvore.

O sol desponta no horizonte lançando seus raios luminosos, cheios de esplendor, aquecendo a terra.

No vale, uma agitação diferente, fora do comum. Parecem ter muita pressa, pois enfim irão enfrentar uma longa viagem, rumo ao sertão desconhecido.

Cargueiros são colocados no lombo das mulas e carros de bois com toldos são preparados.

Nos balaios são colocados seus pertences, noutros animais domésticos e ainda em outros ferramentas, armas e muita semente.

Em sacos, dentro dos carros de bois, muito sal.

Enfim, tinha ali tudo o que o caboclo iria precisar em sua longa e demorada viagem.

O carro de boi, com seu rangido triste, mais parecendo um lamento de dor e saudade, segue picadão adentro, deixando somente o rastro e a poeira que sobe no infinito.

Descrever aquela cena seria impossível, pois só mesmo aqueles que vivenciaram sabem de todos os perigos e doenças que os acometeram.

Quando a noite sobrevinha, o velho sertanejo, fadigado e exausto, arrumava sua barraca em meio a selva e ali abrigava os seus. Suas camas eram improvisadas com esteiras, e seu fogão era um buraco, onde acendia-se a lenha e pendurava-se as panelas no trempe.

Enquanto a Sinhana preparava a refeição para a família, o velho sertanejo saia à busca de água e alguma caça.

Mas a medida que os dias iam passando, a esperança aumentava nos corações daquelas pessoas.

Todos os dias surgiam belezas inigualáveis, florestas inteiras recheadas de pinheiros, cedros, canelas e imbuias, flores e frutas silvestres e animais dos mais variados tipos.

Certo dia, avistaram um cenário diferente, um vasto campo, com capim barba de bode, samambaias e árvores retorcidas, um autêntico cerrado, separado, em meio à floresta de arvores frondosas e pinheirais.

Naqueles campos corriam perdizes e haviam muitas araras multicoloridas, que voavam com seus gritos estridentes.

Ao aproximarem-se, constataram que aqueles campos eram cercados por dois rios em cujas águas límpidas e cristalinas, avistavam-se os peixes e arbustos.

Seus olhos maravilhados de tanta beleza e esplendor, brilhavam de felicidade, pois tinham agora a certeza de ter encontrado o lugar “encantado” que estavam a procurar.

Ali aportaram, fizeram seus ranchos e iniciaram seus trabalhos.

A cada despertar, o sertanejo saia para a luta diária, com sua latinha de comida e a porunga cheia de água, voltando somente a noitinha. Depois do banho no riacho, saboreia seu chimarrão e observa as crianças correndo de um lado para outro. O jantar é servido a beira do fogão de barro, e logo após o colchões de palha são afofados para descansarem seus corpos exautos pela labuta do dia.

Passam os dias, rolam os anos, e aqueles campos transformam-se. A terra, outrora vermelha, mais parece um tapete averdejante coberto pela plantação.

Havia muito trabalho para se realizar. Derrubar a mata, destocar e preparar a terra para o plantio. Até as mulheres e crianças não mediam esforços para ajudar.

Porém, Sinhana já não era mais a mesma. Sentia fortes dores no abdômen, o que a deixava dias e dias acamada. Suas filhas e noras faziam compressas quentes e muito chá, mas a dor persistia.

Médicos? Só em Guarapuava, e seriam necessários vários dias de viagem no carroção de bois. Acharam melhor esperar um pouco, com certeza ela iria melhorar e daí sim, poderia enfrentar a viagem.

As dores foram cessando e Sinhana voltou a realizar pequenas tarefas caseiras.

Certa manhã, acordou bem disposta e consciente de tanto trabalho a realizar, resolveu ajudar na aragem de terras.

No início foi bem, porem, o esforço foi tanto, que não agüentou. Sentou-se no meio aos torrões de terra e gemendo dizia:

- Valha-me meu Deus! Caindo logo em seguida, esvaindo-se em sangue que se fundia com a terra vermelha.

Seu marido e filhos procuraram reanimá-la, mas não havia mais nada a se feito.

Pobre família! O que fazer naquela situação? Nada....absolutamente nada!

Levaram o corpo para dentro do rancho, lavaram e a colocaram numa tarimba de madeira. Durante todo aquele resto de dia até o amanhecer ficaram velando o corpo inerte da matriarca Sinhana.

Aos primeiros raios do sol, a família e os vizinhos cortaram um pé de cedro, e ali ao meio daquele campo, fizeram uma cova bem funda e a enterraram. Colocaram a cruz em sua cabeceira, como se fosse um travesseiro, para marcar o local.

O tempo foi passando e muitos fatos ocorreram. Porém, para o velho sertanejo, cada dia era um martírio, a saudade sufocava seu peito.

Certa tarde, cansado do exaustivo dia de lida, sentado no terreiro, começa a dedilhar uma toada triste. É a saudade. Saudade daquela que fora sua companheira por longos anos e que já não estava mais ali ao seu lado.

Da um triste suspiro, dedilha a viola e tenta entoar uma canção, porém, lágrimas rolam em sua face.

Levanta o olhar e avista a cruz, ali no meio ao campo, solitária.

É muita dor para uma família que deixou sua terra natal, embrenhando-se pelo sertão adentro, em busca de um futuro melhor.

Muitos eram seus sonhos, porém ninguém imaginava aquela triste tragédia.

Levanta-se sacudindo a calça para retirar a poeira, pega sua viola e entra no barraco. Não consegue dormir. Seus sonhos, suas lembranças e a esperança de um futuro promissor haviam sido enterrados com sua esposa.

Ao amanhecer, reuniu os filhos e lhes comunica que vai partir, já não há razão para ficar ali.

Trouxa arrumada, cavalo atrelado, despede-se e sai a galope, rumo a Guarapuava.

Muito tempo depois, manda notícias que estava residindo em Mato Grosso. Sabe-se que ficou lá até o fim de seus dias.

Mas a vida tinha que continuar. Os filhos ficaram e precisavam cuidar da família, das plantações e dos animais.

Certo dia alguém passou pela cruz e notou algo diferente. A parte horizontal estava torta quase se desprendendo e por trás dela vinha surgindo um broto, bem verdinho e viçoso.

- É um milagre! Exlamou.

- Sim, é um milagre, o milagre da vida! Respondeu Pedro Ovídio, filho da Sinhana. É a resposta que eu estava esperando.

E passou a contar aos seus parentes a amigos, que estava prestes a deixar aquele lugar e mudar-se para bem longe.

Mas, aquele broto que surgiu da cruz, significava que ainda havia esperança, que a vida apesar das agruras, sempre nos reserva surpresas boas.

- Vou ficar! De hoje em diante farei desde lugar o melhor lugar do mundo! Mamãe quer que nossas raízes se firmem aqui nesta terra abençoada.

A notícia correu, a cruz aos poucos foi perdendo sua forma e uma bela e exuberante árvore de cedro tomou seu lugar.

Dizem os antigos que em meio aquele campo, a árvore de cedro proporcionava sombra e descanso para os viajantes.

Lá no cemitério, bem na entrada, não há como não notar a centenária árvore de cedro, e em volta os túmulos de toda a família, à sua sombra frondosa e amiga.

Muitos acreditam que a cruz virou árvore para simbolizar o milagre da vida e o local onde deveriam ser enterrados todos os moradores, ao lado da Sinhana, a matriarca da colonização de Campo Mourão.

Edina Simionato
Enviado por Edina Simionato em 12/04/2011
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