Encontro

E ela entrou como se nunca o fizesse,pisou os degraus com passos tão leves e suaves como os de um elefante.

Olhou para massa encolhida com um certo enfado e tristeza,por saber que por alguns instantes fazia parte dela,pois seu carro havia acabado de quebrar.

Creio que se soubesse o que estava por vir,guardaria suas energias para o grande embate do dia,o primeiro deles...

-Com licença!

-(...)

-Com licença!!!Repetiu com a voz em um tom maior.

-Pode passar.Respondeu-lhe a senhora com um ar de quem não sabe brincar.

-Não,não posso!Não sem deixar uma perna,um braço...

-Tá querendo dizer o quê?

-Não estou "querendo",estou dizendo que o ônibus está insuportavelmente cheio e soma-se a isso o fato de ninguém te dar licença...

-Como assim?Você queria que o povo subisse no teto só para belezoca passar?Ou quem sabe,se atirassem pela janela?

-Ai meu Deus!Ela acha que é engraçada.Sussurrou entre muxoxos e olhares de desprezo.

-O que que é?!?!?Tá resmungando?Fala na cara, amiga!

-Amiga?Há um engano,não sou sua amiga! Se encherga!

-Tem razão,não seria amiga de uma besta feito você!!

-Agora você foi longe demais!

-Não fui não,ainda estamos no meio do caminho.

-Fofa,não estou brincando!

-Ah!Entendi... então é por isso que está nervosa?Tá sem brinquedo.Esquenta não,quando parar no ponto final compro um "procê"!

-Não sou mulher de ponto final !!!

-Ah,não?!E faz ponto aonde?

A partir daí qualquer possibilidade de paz era mais que remota.Entre as duas,apenas uma faixa que as separava da loucura e essa faixa era algo como a faixa de Gaza.

-Ok!Você me cansou,vou tentar ir lá pra trás.

-Ai!!! Pisou no meu pé!

-Pé?Pensei que tivesse casco...

-Porra!!Vá pisar no inferno!

-Já estou nele e olhando pro próprio capeta!

O coletivo,que já não era mais tão coletivo assim,se dividiu em lados opostos.Uns cncordavam com a rude senhora,afinal de contas quem pega ônibus às 7:00 da manhã e quer conforto só pode ser doida.Que pegue um taxi!

Outros concordavam com a patricinha sem ambiente.pois o que custa se espremer um pouco pro outro passar?Ela implicou porque está com inveja,só pode!

Uma gritaria generalizada tomou conta do local,quem queria paz sabia que ali não era o lugar,nem o momento.Fios de cabelo e palavras de ódio se misturavam ao ar do abafado cubículo móvel.A "platéia" embevecida uivava,como em uma partida final do Fla X Flu.O povo queria sangue.Pão e circo! O circo já estava armado,mas o pão...

Eis que,quase por um milagre,surge uma alma sã e separa a guerrilha.Um homem com um sorriso indecifrável,que oscilava entre o cínico e o subversivo,levanta e fala:

-Para tudo!É um assalto!

-Como assim assalto?Retrucou um passageiro assustado e incrédulo com a situação.

-Assalto ué!Quer levar um tiro pra ficar esperto?!

-Zé,Pipoco,Jangada,é nóis! Levanta aí e mostra pra ele!

-A "rente" tava sossegado,nem ia fazer nada por aqui,mas vocês tirou nosso sossego,agora vamo limpá geral !!!

-Ô riquinha,larga o cabelo dela e passa tudo!

Um silêncio sepulcral se instalou no coletivo que não lembrava em nada o que acontecia minutos atrás.E as duas,até então arquirivais,se abraçaram num gesto digno de grandes amigas e perguntaram-se:

-Tudo bem com você?

Rachel Souza
Enviado por Rachel Souza em 13/11/2006
Reeditado em 13/11/2006
Código do texto: T290384