Infinitas esquinas

Alex Ferraz Rosas

Infinitas esquinas

Acordei tarde, muito cansado, alias ando muito cansado, como se a vida fosse cansada. Preciso ir até esquina. Não é que preciso. Sei talvez, que algo , alguma parte me cobra isso. Mas com frieza, não sei se quero ir até lá. Não sei se quero ir até a esquina.

Gosto de acordar e ficar minutos ou horas pensando . É uma rotina que preservo. Faço isso todos os dias, e entre os pensamentos que me assusta ou me consola, nunca sei o que é, vem essa possibilidade de conhecer a esquina. Olho pela janela. A rua movimentada, gente dispersa, vagando por entre lojas e bosques. Preciso ir a esquina. Eu acho que preciso. Nunca sei mesmo se quero ir até lá. Nunca sei.

Acendo um cigarro E no intervalo das baforadas reforço essa minha dificuldade de ir até lá. Faz muitos anos que essa possibilidade me aparece. Meu irmão foi, voltou animado, meu amigo foi, não gostou tanto,

Mas eu, de verdade mesmo, nunca fui . Não é facil. Alias, nada é fácil pra mim. que bosta! Estou lamentando de novo. Preciso parar com isso. Juro que tento parar. Mas tenho minha razão, mesmo que pareça desculpas.

Pra começar precisarei sair do meu apartamento. Antes disso tomar banho, me vestir, abrir a porta, descer escadas. Chegar até a calçada. Andar lento e generoso até a dobradura da rua. Que exercício de imaginação terrível, meu Deus! Só pensei, e meu corpo reclamou.

O outro lado da esquina, fica de frente para o nascedouro do sol. . Os dias lá deve ser mais claros e intuitivos. Só estou imaginando, não tenho certeza de nada. Nunca tenho certeza. Mas vamos lá E, por ter o sol da manhã, é certo que as folhas e os jardins são mais animados e cheios de seivas. Exagerando agora, sei que estou exagerando, sempre faço isso. Quem sabe os velhos não ficam na calçada pela manha tomando sol, conversando, ou fumando seus cachimbos e repensando épocas gloriosas em que atravessaram a esquina. Imaginando aqui, por enquanto tudo é imaginação, estou certo que todos já moraram antes de alguma esquina.

Não sei de fato como é. Estou acrescentado coisas, talvez, pra eu ter certeza que valha a pena ir até lá. Não quero ir se não me acrescentar grande coisas. E isso me pertuba porque de fato nunca sei se vai ser bom ou ruim. nunca sei. Quando colocar sonhos o suficientes na esquina, talvez eu corra até lá, E farei com naturalidade, de um jeito que revele pra quem me ver, um homem viril que atravessou não uma, mas diversas esquinas.

Só de pensar o que acontece na esquina fico trêmulo. Do lado de cá eu sei, mas a visão panorâmica das duas pontas, olhar dividido em dois. A rua de cá onde moro e a rua de lá que atravessa. O medo de virar dois. Ser dividido. Será que é preciso mesmo criar esse precipício? E se não conseguir voltar. Se me apaixonar pela outra rua. Se algo do outro lado me seduzir, me capturar: uma loja de roupa, uma casa bem pintada ou mesmo uma arvores verde bem cuidada. Ou uma florzinha qualquer. Tenho que estar atento a isso. Nunca se sabe de onde vem as provocações.

Já pensou, voltar frustrado por não poder ia além dela. E se meu desejo aumentar e eu querer conhecer mais uma esquina. Se isso nunca acabar e cair num carrocel louco em desespero de esquina em esquina. E descobrir que a cidade é uma sequencia interminável de esquinas. E que cada esquina revela na sua frente outra esquina, outra e outra e eu perder a noção das coisas, Por não poder conhecer todas elas. E ter em mim a noção exata de minha pequenez, do quanto tudo é grande e inalcançável.

É certo que esse tipo de coisa seria algo como uma verdade as avessas, que em vez de me dar um sossego, uma paz, me traria mais sofrimento e problemas. E mais. o medo, o terrível medo de que eu não possa voltar pra minha rua, que conheço tão bem. Transformar num homem faminto por novas coisas, novas viradas, sedento de mundo novo.

Ufá! Que merda, de novo deixei minha cabeça me tomar a razão. Fiquei extasiado agora. É gostoso ficar assim. Dá prazer. Fiquei extasiado e com medo. Eu juro, fiquei com medo. Pois me dei conta que falei muito. E a verdade, essa mais simples que a grande verdade as avessas que falei mais atras é que ainda não fiz grande movimento. Estou ainda sem roupa imaginando infinitas esquinas, de pé descalços, olhando tudo pela janela.

Sabe uma coisa que me ocorre? Tenho terror de ser odiado em ir alem dessa rua. Não sei se gostei quando meu amigo ultrapassou a esquina.

Não sei se quero ser odiado ou ironizado de tentar coisas sem sentido. Atravessas as esquinas, infinitas esquinas que se dobram em mistérios profundamente perdidos.

E seu eu ficasse em paz. Bem tranquilo. Esquecesse as dobraduras das ruas, respeitasse meu cansaço, meu quarto, essa falta de vontade. Essa preguiça desgraçada, voltasse pra minha cama e dormisse mais um pouco? E se eu fizesse apenas isso? Dormisse mais um pouco? Só mais um pouco...