O Velho

O samba ainda podia ser escutado de longe. Era um som abafado, nada mais parecia com a sinfonia do começo daquela noite. Os pingos do sereno começavam a umidecer a pnta de seu nariz vermelhoe e envelhecido. Zonzo com o excesso de alcool, tentava se manter de pé e entender o que se passava a sua frente.

Parou na primeira esquina, debaixo de um toldo azul e ali ficou pensativo. Sentiu seu corpo doer começando pelas pernas. Depois a cabeça e o peito. Aquela dor no peito já estava começando a preocupá-lo. Já fazia tempo que ela vinha para incomodá-lo, e não queria procurar médico. Na sua idade, com certeza os doutores achariam um monte de fatores de riscos que o impediria de fazer tudo o que mais gostava. Uma grande questão: Estar saudável para aproveitar a vida, ou NÃO estar saudade e aproveitar a vida?

Colocou as mãos trêmulas dentro do bolso da bermuda imunda. Diversas manchas de mãos negras e lama manchavam o jeans claro que o vestia. Sorriu ao sentir algumas moedas, porém ao puxá-las, o que viera dentre seus dedos fora um prendedor de cabelos vermelho. Pertencia a Leonora, a mulher do vendedor de pipas da favela. Gorda, muito gorda, mas dona de um enorme charme e simpatia, a senhora de quarenta anos era a sensação do pagode das sextas-feiras. Sambava com todos os homens presentes, sempre com um enorme sorriso, sempre balançando aquela enorme bunda para todos os lados. Feia, muito feia de rosto e com grandes bochechas de bulldog, ela assim mesmo encantava a todos, inclusive seu marido, o pipeiro, com quem era casada há vinte anos.

Lembrou precisamente da dança com Leonora. Estava bêbado o suficiente para imaginá-la ali na sua frente, leve como uma pena, balançando seu gigantesco corpo de um lado para o outro como se não existisse gravidade. Algumas pessoas que passavam naquele instante sorriam com a cena. Um senhor completamente bêbado, sambando como se como acompanhando alguém, e sorrindo com a maior felicidade do mundo. Teve hora que se ajoelhou e batucou com as mãos reverenciando quem quer que estivesse ali para quem não via, e Leonora para ele.

De repente ela sumiu. Só sobrara o prendedor dentre os dedos. Colocou-o de volta no bolso e tentou se equilibrar sobre seus pés tentando continuar sua caminhada de volta para casa. Cambaleante, continuou andando pela favela sob os olhares dos evangélicos que caminhávam na direção do culto, e sob os olhares daqueles que iam trabalhar no sábado de manhã. Muitos tinham pena do velho. Apenas um senhor sozinho que encontrava na bebida a companhia de todas as horas.

Alguns garis varriam o chão do larguinho onde aconteciam as atividades culturais da favela. Lá ele sorriu para alguns que lhe sorriam sem saber que o sorriso era um sorriso zombeteiro. Era assim visto. Era assim chamado de apenas um velho bêbado.

Sua história poucos conheciam. De sua família nunca se ouviu falar. Mas ele vivia perambulando por ali. Nos sambas de sexta, nos churrascos livres de domingo, e durante a semana, na porta do barraco de beira à linha do trem, que de tão mal construído balançava nas extremidades quando os vagões passavam na frente de sua casa.

Apesar das maneiras que vivia. Apesar dos problemas e dos medos que encarava sozinho. O velho não era um velho infeliz. Seu passado lhe rendere diversas felicidades. Mas nunca dividira com ninguém. Nunca contara À ninguém onde conseguira tantas cicatrizes. Se era casado, se tinha filhos, se trabalhara alguma vez na vida. Sabiam apenas que bebia, e que nutria amores pela mosntrenga Leonora.

Certo dia então, sentado em um pequeno quiosque, as pessoas estranharam o olhar dele. Parado, com o queixo sobre as mãos, parecia encarar alguma coisa com muita vontade. Postaram-se atrás do senhor para tentar entender para onde o pobre homem olhava.o céu estava bonito,e a lua enorme. Talvez fosse para os astros. Mas não. Não era para o céu que ele olhava. Na verdade ele olhava mas não via, pois falecera no quinto copo de cerveja. Sentado num bar e com os olhos lacrimejando.

As crianças da favela diziam que ele chorou depois de morto por não ter possuído Leonora . Outras pessoas diziam que ele morrera da maneira que sempre quis: Bebendo! Muitas histórias se criaram sobre um homem comum que apenas deixou que tudo lhe escapasse por falta de cuidado e afeição. De todas as histórias que criaram, nenhuma chegou perto do que ele realmente era antes de morrer. Nada de anormal, apenas velho.

FIM

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 05/04/2011
Código do texto: T2891823
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