Ele não me ama
Não fui convidada, mas estou aqui, observando-o.
Ele vai até a janela, apoia-se no parapeito e olha para fora. Os ruídos dos motores dos carros e ônibus que trafegam pela Alameda Cabral invadem a sala (estamos no primeiro andar). A subida força os motores e o ruído é mais intenso. Há também sons incômodos de buzinas. No quarto só ele e eu. Ele continua a olhar pela janela. De repente, levanta o braço esquerdo e acena com sua mão sem a aliança (a mão direita segura o copo). Ele mostra o copo e faz sinal para que o outro suba.
Na calçada, perto do ponto de ônibus, de camisa listrada e barba sem fazer, um amigo está olhando para cima. Solta uma gargalhada e faz um gesto de negação com a mão aberta enquanto grita: Minha namorada me espera...
Ele caminha até a cozinha, abre a porta da geladeira e, com ar de satisfação, enche novamente o copo. Finge que não estou lá perto dele. Esparrama-se na poltrona verde e liga a televisão. Não quer me olhar, continua fingindo que eu não estou do seu lado. Assiste, sem interesse, a uma das tantas séries policiais sem imaginação - programas imbecis, murmura - e eu olho para ele, esperando que desligue a televisão. Mas não, ele muda de canal.
Será que ele sente prazer em me ignorar? Será que gosta de pensar que fui para sempre? Seu tolo! Adeus, falou quando começou o namoro com a loira falsificada que vendia semijoias. Adeus, disse-me novamente quando namorou a enfermeira com excesso de quilos nos quadris e cabelo avermelhado. Adeus, insistiu quando trabalhava no banco e ficava no bar com o grupo de colegas até duas ou três horas da manhã. Adeus, murmurou quando se apaixonou pela psicóloga de olhos azuis. Adeus, sorriu enquanto dava uns amassos numa mulata que conheceu em um baile de carnaval. Adeus, quando namorou a japonesinha meiga da pastelaria da esquina. Adeuses intermináveis. Adeus, falou pela última vez há duas semanas, no balcão, quando começou a namorar a professorinha da escola estadual do bairro. Mas eles brigaram e eu estou aqui outra vez. Mesmo assim ele me ignora, finge que eu não estou. Permanece sentado na poltrona verde. O que ele espera? Ah! Quer me mandar embora! Gosta de fingir, o safado. E não é o único, não! Homens gostam de demonstrar que são populares. Amados pelas mulheres. Vaidade machista. Porém, não adianta me ignorar, eu sou tenaz.
Ele se levanta preguiçosamente, caminha até a geladeira e pega duas latinhas. Bebe e assiste TV. Bebe a segunda. Traga o líquido com mais rapidez. Outra vez se desloca a passos lentos até a geladeira, mais um copo cheio. Muda de canal. Olha o telefone. O telefone não toca. Ah! Ele está esperando uma ligação. É isso. Lentamente se levanta, deixa a latinha sobre a mesa, pega o telefone e liga para alguém... Dá para escutar a secretária eletrônica, mas ele não deixa recado. Finge que eu não estou. Procura outra cervejinha. Seu caminhar é desengonçado (pode ser o efeito da cerveja). Recosta-se no sofá e pega um jornal do chão enquanto muda os canais.
Eu continuo aqui, olhando-o. Por fim, ele não pode mais me ignorar. Desliga a TV e grita: Que merda! A solidão é minha única companheira. Ah! Finalmente falou meu nome. Obrigada! Muito obrigada!
Epílogo
Eu sou a única companheira que fica quando todos o abandonam. Eu não sou um vento que passa, como alguns pensam. Eu sou uma vibração que ecoa no instante do nascimento e o acompanhará na jornada, até a morte. Sou uma vibração bem próxima da tristeza e do abandono. Uma vibração baixa que se estende desde os pés até o ventre, os ombros, os braços, os ouvidos e os olhos. Uma vibração que contrai o tórax e faz descer a cabeça. E não importa se você tem cargos, títulos, honrarias. Eu enfraqueço os homens. Torno-os crianças desamparadas. Nem tentem fugir de mim, porque eu sou persistente. Na rua, na cama, diante do computador, ao fechar o livro, ao sair do cinema, ao dirigir o carro, em algum lugar você vai pronunciar meu nome. Vai, sim... Em algum momento você vai dizer: Solidão!
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