UM HOMEM TRISTE

Vesti o melhor pretinho básico. Ornei o pescoço com o colar de pérolas para ocasiões especiais, sapatos combinando com a bolsa.

Basicamente elegante para aquele encontro que tomava conta daquelas horas que o antecediam.

Uma amiga teimava em casar-me. Era mais uma das suas tentativas, apresentando-me um pretendente.

Era um encontro às cegas, com alguém que de concreto, eu só conhecia a voz.

Sem muitas pretensões e desejos acessórios.

Ia despojada, só o pretinho básico e o olhar romântico fixo no que estava por vir.

Encontramo-nos após o culto da igreja oriental, etapa da minha busca, onde procura espiritual e afetiva se cruzaram por capricho do destino.

Veio ao meu encontro um homem vestido à moda dos anos setenta, roupas de corte indefinido, cores esdrúxulas combinando entre si.

Ele era alto, magro, triste e seu semblante lembrava o de uma esfinge sofrida.

Saímos do templo.

Convidou-me para um lanche, perguntando se estava com fome. Enquanto aguardávamos o garçom daquele lugar barato trazer o pedido, ele discorreu sobre sua vida pregressa, de como a mulher morrera de câncer (eu poderia escrever uma doença incurável, mas foi assim que ele falou), de como era sozinho, a dificuldade de criar os quatro filhos pequenos, a necessidade de alguém que o apoiasse.

Fez uma pausa no relato para perguntar-me se eu estava achando muito triste. Já me disseram da minha transparência, de como não consigo esconder o que estou pensando, sentindo.

Respondi que não, que poderia estar à vontade. Pude perceber a distância entre uma fala e a verdade do pensamento.

Para coroar, ao deitar a cerveja em seu copo, perguntou-me à maneira dos homens reunidos na caserna:

- Vai?

Apenas respondi que não e levei a mão instintivamente às contas do colar de pérolas que ornavam o meu colo.

05/11/2006