A COLHEITA DAS UVAS

Não se via o fim do parreiral. Os cachos dependurados nas armações de varas e arames, prontos para a colheita. As folhas ainda verdes, presas aos galhos, faziam sombras e o sol encontrava espaços nos caminhos. As folhas murcham atapetavam o chão e a cada rajada de vento rodopiavam em um bailado infindo. Um céu azul límpido, apenas com algumas disformes nuvens, completavam a paisagem. O campo era a sua casa. O ar puro. O cheiro do verde. A planície que se estendia ao longe dava-lhe a sensação de liberdade, como se nada pudesse aprisionar-lhe. Aprendera muita coisa sobre as uvas: os variados tipos; como podar; a época certa de fazê-lo; a quantidade de água que precisavam; etc. Nomes esquisitos para ela: Cabernet, Merlot, Chardornay, Red Glob, etc. Tinha dificuldade em pronunciá-los, mas sabia das suas existências. Distinguia as de mesa e as destinadas à fermentação e fabrico de vinhos. Sabia que as que colhia eram de mesa, para serem degustadas. Mas o que gostava mesmo era de fazer a colheita. Percorrer aqueles caminhos carregando o cesto onde depositava os frutos. Uma vez cheio, trocava por outro vazio. E com que maestria usava a tesoura para cortar os belos cachos de uva. Cachos enormes. Diziam que era para exportação e que por isso não podiam apresentar imperfeições. Nenhuma uva poderia se desprender do cacho. Um chapéu e uma rota blusa de mangas compridas, protegia-lhe do sol. De vez em quando uma parada para descansar, tomar um pouco d’água e retornar a lide. À tardinha retornava à casa e no dia seguinte voltava ao batente. Os dias, na época da colheita, passavam mais rápidos. Os frutos não poderiam amadurecer totalmente no pé. Precisavam de uma maior durabilidade até a total maturação, evitando as perdas por perecimento. Era a melhor colhedora da videira. Tinha seus encantos. Belos olhos claros, corpo bem delineado a desfilar a sua juventude e um constante sorriso nos lábios. Risos de amanhecer. O tempo ainda não lhe fizera maiores marcas. Eis que um certo dia, chega à vinha um novo catador, ou colhedor. Um jovem bem afeiçoado que logo se encantou com aquela moça de ares simples e gentis. Daí ao início de um romance foi um salto, até que um dia lhe propôs casamento, com a condição de que deixasse o trabalho. Não queria que a sua mulher, a mão de seus filhos, tivesse um trabalho tão exaustivo. Ademais, precisaria cuidar da casa. Terminou por sucumbir aos argumentos do pretendente, afinal tinha por ele afeição e aceitava a condição submissa de mulher. Trocou o caminhar pelo parreiral, o habilidoso uso da tesoura que cortava cada cacho com precisão, pelo tanque de roupas para lavar, estender no varal e passar; o fogão para cozinhar e a casa para limpar. O tempo passou mas não esqueceu seu oficio de colhedora de uvas. Sentia falta do sol, do ar, das colegas de trabalho, e das uvas. A tristeza levou-a a um estado depressivo. Os dias arrastavam-se preguiçosos. Em vão tentou dissuadir o marido de deixá-la voltar a lide. Desencanto total com o casamento e com a vida monótona que levava. Já não tinha prazer nenhum em se arrumar. “Pra que, ninguém vai me ver”, dizia. O primeiro filho ainda não chegara, apesar das inúmeras tentativas. A situação tornou-se insustentável. Decidiu romper o casamento, sob fortes ameaças. Retornou à colheita das uvas, onde sempre foi feliz. Novos sorrisos se abriram, como a videira que se renova após a poda.