Local de Morte
Dia obscuro aquele. O plantão, embora sendo uma sexta-feira treze, corria tranqüilo. Passava das 20 horas quando o rádio solicitou-nos a primeira ocorrência. Tratava-se de um homicídio em Gravataí. Rapidamente, reuni a equipe e deslocamos para o local da ocorrência. O endereço, um tanto impreciso, despertou acalorado diálogo entre os ocupantes da viatura. Os colegas sugeriam diversas possibilidades de chegar ao endereço. Cada qual acreditava que a sua solução era a mais adequada para o caso, ou porque a trajetória era a mais curta, ou porque o caminho era o de menor congestionamento, ou ainda porque a estrada apresentava melhor conservação. No fundo, aquela agitação toda disfarçava o nervosismo pré-local, ou seja, a insegurança natural que todos nós sentíamos antes de nos depararmos com o sítio em que se desenvolveu um homicídio.
O rádio irrompeu a conversa.
- Mais uma ocorrência para o Perito, informou o operador.
- Prossiga, respondeu o nosso motorista.
- Um encontro de cadáver em Charqueadas.
Anotei rapidamente o endereço e os dados de maior importância. Eu sabia, pensei comigo, tudo estava muito calmo até agora!
Os procedimentos operacionais com o transceptor impuseram uma pausa na discussão, que logo enveredou para assuntos mais frívolos, como futebol, mulheres e comentários, às vezes maliciosos, sobre um ou outro colega. O assunto mudava de foco rapidamente terminando, como de costume, num repositório de piadas, algumas já desgastadas pelo tempo. Em suma, nosso objetivo era apenas ocupar o tempo de deslocamento até o local da ocorrência.
Cerca de 40 minutos depois, chegávamos em Gravataí. O quadro com que nos deparamos era trágico: um homem desconhecido fora assassinado com golpes de facão. O homicídio ocorreu no passeio público. O cadáver estava imerso em uma enorme poça de sangue e apresentava ferimentos generalizados no tronco e nos braços. Enfrentamos certas dificuldades com os curiosos que se aglomeravam em torno da vítima. À medida que examinávamos o cadáver, os populares aproximavam-se mais e mais, até o ponto de romper o isolamento e invadir o sítio da ocorrência, atrapalhando nosso trabalho. Contudo, de uma forma geral, a cena era familiar, se é que se pode atribuir tal adjetivo àquele evento. O levantamento desenvolveu-se a contento. Fotos, perinecroscopia, etc... Terminada a perícia, embarcamos na viatura e rumamos para o próximo atendimento: Charqueadas.
Estávamos sobre o vão móvel da ponte do Guaíba quando o rádio irrompeu, abruptamente, os incipientes diálogos que já se estabeleciam.
- DC 10, DC 10 – dizia nervosamente o operador do rádio.
- Prossiga, respondeu o motorista.
- O local de Charqueadas foi cancelado! Repito: cancelado! QSL?
- QSL, respondeu o motorista.
- O cadáver levantou-se, rompeu o isolamento e se foi ao mato, disse o operador.
- Os policiais estão na busca ao defunto, continuou o operador.
Entre risos incontidos, cancelamos o deslocamento e retornamos à nossa base de operações.