Minha Estrela

Por muito tempo os meus dias de sábado seguiram-se assim: eu e ela sentados sobre a grama. Enquanto eu escrevia histórias, ela brincava com as flores. Depois, me pedia para contar sobre aquilo que escrevi; e então eu fazia cena, fingia ser ator. Fingia ser tudo o que ela queria que eu fosse.

Ela tinha apenas sete anos e eu, vinte e um. A garotinha era maravilhosa, o tom de pele moreno e seus cabelos enrolados me faziam sorrir. Ah! Como era belo e inocente o seu sorriso...

No último sábado do mês de novembro, eu já estava pronto para o encontro com minha pequena companheira. Amarrei o cadarço do meu tênis, baguncei o cabelo e guardei, no bolso da camisa, um nariz de palhaço que era usado em minhas encenações. Hoje eu queria contar a ela uma história feliz e pedir que ela escrevesse algo para mim.

Cheguei até a velha praça e fui me sentar no local de costume. Era aproximadamente oito e meia da manhã. A luz do sol via-se refletida nas folhas das árvores e o céu estava claro, com algumas nuvens que não eram o suficiente para fazê-lo sumir. Sentei-me na grama, peguei meu caderno de anotações, segurei uma caneta e comecei a escrever. Tentava escrever sobre o que eu via e o que sentia, mas há muito não conseguia sentir nada que fosse de meu agrado.

De longe, vi minha pequena chegando. Costumava vir correndo na minha direção, por isso fiquei confuso ao ver que ela andava devagar. Cabecinha baixa e, sem muita força para andar, guiava os passos até mim.

- Oi. – não me olhou.

- Está tudo bem com você, pequena? – tentei levantar seu rosto.

- Uhum. – sentou-se na minha frente e começou a me observar. – Já preparou minha história de hoje?

- Sim, senhorita! – disse mostrando um sorriso espetacular.

Comecei a contar a história boba que tinha escrito. Colocava e tirava o nariz de palhaço, rolava no chão, corria pra lá e pra cá... tudo para vê-la sorrir.

Ela sorria, mas não como antes. Algo tinha acontecido.

A história acabara e ficamos em silêncio por certo tempo, até que sua voz fez-se audível.

- Eu não vou poder ver o senhor aqui de novo, todos os sábados. – olhava para as próprias mãozinhas.

- E por que não? Aconteceu alguma coisa?

- É que minha mamãe disse que vou ter que ficar um tempo num hospital. Você acha que lá vai ser escuro? Eu tenho medo do escuro. – seus olhos transmitiam esse medo.

- Não vai ser escuro pequena, haverá alguma luz por lá. – tentei parecer confiante ao dizer isso. – Você deve se lembrar da história que te contei há pouco. O nosso palhaço era pobre e não tinha como ter um grande circo só pra ele. Então a vida lhe deu uma lona e um nariz para que pudesse tentar trabalhar. Ele montou a lona, mas tudo ficava escuro embaixo dela. Então, pensava: “Como vou poder fazer as pessoas rirem se elas não podem ver o meu rosto sob a luz?” O palhaço ficou triste e chorava todas as noites. Queixava-se do escuro e pensava estar sozinho. Deus ouviu suas queixas. Disse-lhe que poderia dar a ele algumas estrelas que não eram mais importantes para as pessoas. O palhaço ficou muito feliz ao ver que não estava só e que teria a luz que tanto desejava. Ele colocou as estrelas na lona do seu circo e, mesmo que não fosse possível iluminar o circo todo, era possível o iluminar no centro de tudo. E foi aí que ele entendeu que não importa o quão escuro esteja, se ele tiver fé, vai encontrar alguma luz que o guie onde estiver. Então você não precisa se preocupar com o escuro porque o céu tem várias estrelas que Deus pode te emprestar. Ta bem? – segurei suas mãozinhas e sorri.

- Ta bem. – o medo já não transparecia no seu olhar e a janelinha que havia no seu sorriso já estava visível. – Acho que vou lembrar disso quando eu tiver medo né?

- É claro que vai!

- Minha mamãe falou também, que lá no hospital que eu vou ficar, tem um monte de crianças que vão ser minhas amigas e tem alguns palhaços que vão lá de vez em quando. O senhor podia ir me visitar e ser o meu palhaço não é?

- Eu posso ser, se você quiser. Mas até que eu vá visitá-la, você pode ir alegrando as outras crianças contando as histórias que você sabe. O que acha disso? Você vai ser minha palhacinha aprendiz. – Peguei o nariz que de palhaço que já estava guardado no bolso da minha camisa e coloquei nela. – As outras crianças vão adorar ter uma palhacinha nova.

- É verdade, vão sim! – Ela estava extremamente feliz e me encantou com toda sua inocência. – Estou sentindo tanta coisa agora que eu nem sei o que dizer. Eu tava com medo sabe, mas agora eu sinto algo tão grande no meu coração que não deixa o medo ficar dentro de mim.

- Acho que você devia escrever sobre isso. Sempre que sinto algo eu começo a escrever e é bom. Quer dizer, nunca fica perfeito no papel tanto sentimento.

Então se levantou e segurou meu rosto com suas mãos.

- Eu ainda não sei escrever. Eu só sei sentir. – deu-me um beijo na bochecha e continuava a sorrir. – Já ta tarde melhor amigo, eu tenho que ir embora. Promete que vai me visitar e ser o meu palhaço? – A janelinha no seu sorriso fez com que eu sorrisse também.

- Eu prometo minha pequena. Serei seu palhaço. – ela já estava indo embora, correndo como sempre fazia. – Até mais e não se esqueça das estrelas! – gritei enquanto ela se afastava.

Ela partiu com o sorriso no rosto. Levou consigo seus sonhos, seus desejos, sua inocência e sua vida toda. Eu queria acreditar que um dia ela voltaria ali e que ficaria comigo até o sol nos cansar, mas já não sabia se isso era possível. Talvez se transformasse em uma estrela, a minha estrela.

Eu observava enquanto ela ia embora, enquanto ela ia se encontrar com os palhaços e pensava se Deus lhe daria estrelas para que ela não ficasse no escuro ou se ele a transformaria numa estrela para iluminar outras pessoas. Uma luz que pudesse mostrar a todos como é bom sorrir e fazer alguém sorrir.

Ela não sabia escrever, não sabia o que estava acontecendo ou o que ia acontecer, mas sabia sentir. Só isso... bastava.

Agnes Gomes
Enviado por Agnes Gomes em 21/03/2011
Código do texto: T2861729
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.