Epitáfio dialético
"Aqui jaz, mas não jaz, porque aqui já não é."
Isso é o que vinha escrito à lápide, inscrito em letras góticas. Mas, quem conheceu seu testamento sabia que o texto era mais completo e dizia: "Aqui jaz, mas não jaz, porque aqui já não é. Nunca foi este aqui, porque aqui nunca esteve. E não obstante, nesta tumba se deita, para seguir se esquecendo de uma labuta doravante dissipada. Não é esse corpo, mas essas mãos, esses pés, esse dorso carregam o peso do que ele foi: esse corpo é o que ele foi. Não há nada a ser visto neste homem inteiro carne, porque não é homem. Por isso és tu, caminhante incauto, só tu quem aqui vem repousar de suas dores, às custas daqueles que não podem deixar de te ouvir. Esta lembrança aqui do humano sabe à morte. E esta lembrança da morte, sabe ao humano. Como homem do passado, fruto da memória, está vivo. Como outrora vivo, corpo que respira, está morto. Meio vivo, meio morto, quem sabe não se levante, caro amigo, como espírito. Alfinete nos teus mamilos."