O SOLUÇO

Estou livre. Tive soluço, tomei água; estou livre até mesmo para comer tudo outra vez e voltar a ter soluço. Odeio ter soluço, com todas as minhas forças... Que forças? Pareço paradoxal. Não tenho forças nem para evitar ter soluços. Mas, o que mesmo na vida não é paradoxal? Alguém que não respeita a si mesmo pede respeito.

Meu pai, quando eu tinha 14 anos, vivia cobrando de mim uma mulher, querendo que eu mostrasse que era macho... Isso me dava um tremendo soluço, que o deixava furioso.

- Você parece um veadinho, não se pode falar em mulher que fica soluçando!

Depois de alguns anos, descobri que ele se encontrava às escondidas com outro homem. Era só ele chegar perto de mim que o soluço chegava. Ele soube que eu já havia estado com mulher, me deixou em paz. Mas meu soluço, não. Agora estava vinculado a ele. Eu tinha profunda raiva, ficava extremamente chateado, mas era mais forte do que eu. Meu pai sempre dizia: “Esse menino precisa casar pra acabar com esse soluço”. Ele foi embora de casa com destino ignorado, deixando minha mãe se lamentando: “As prostitutas conseguiram tirá-lo de mim. Velho sem vergonha. Deixa a mulher com filho e vai atrás de mulher da vida”. Era melhor para ela conviver com esta história.

Logo me casei. Era uma mulher bonita, sensível, inteligente... Mas descobri que ela se casara com o casamento, era totalmente institucionalizada. Meu soluço voltou, nos separamos. Ela se foi para a cidade de seus pais, levando consigo nosso filho. Sempre que penso nele, tenho soluço. O amo tanto; gostaria de vê-lo crescer... mas não foi possível. Bem que tentei. Passei a viver fugindo do casamento. Sempre que a mulher começava a falar sobre casamento, voltava o soluço. Eu já não sabia a causa do soluço; não mais o ligava a comida. Acho mesmo que estava ligado ao casamento; de uma forma ou de outra. Era ela falar em casamento, o soluço vinha e eu a deixava. Porém, mais uma virgem cruzou meu caminho, e não falava em casamento. Quando com ela ia me encontrar, evitava algumas comidas e algumas conversas.

Estávamos nos entendendo muito bem. Eu já sabia que ela era virgem: não podia pensar em casamento... nem tentar algo mais, mesmo sabendo da vontade dela. Tanto foi que um certo dia ela me perguntou:

- Você tem respeito por mim... ou é gay?

Foi naquela noite que tudo aconteceu, e eu decidi botar um ponto final naquele soluço e em toda a história. Diante do medo do casamento, com aquele soluço todo, até minhas experiências sexuais estavam rareando. Resolvi pedi-la em casamento, com soluço e tudo.

- Aceita casar-se comigo? Se você disser sim, iremos agora mesmo comprar nossas alianças.

Meu soluço findou. Não é preciso mais tomar água. Fomos a uma loja, compramos as alianças e nos dirigimos a casa dela: fui pedi-la a seus pais, disso ela não abria mão. Ela tirou seus pais da cama. Aliás, os acordou. Nós fomos para o quarto deles. Constrangido, mas decidido, eu os enfrentei. Ficaram espantados, mas tudo bem, eles eram bem legais.

- Senhor e senhora, eu quero casar com Mariana. Perdoem-me o mau jeito, a hora, mas tem que ser agora. Eu a amo. Sei que ela também me ama. Já nos conhecemos há algum tempo. A hora é essa.

Falei de um fôlego só. Não sei como não deu soluço, minhas pernas estavam trêmulas. O pai dela, sério, porém tranqüilo, como se conhecedor do nosso desejo, foi direto:

- Ora, meus filhos, ninguém precisa se casar para fazer sexo.

Naquele momento meu soluço voltou, senti faltar chão para meus pés. Sentei-me na cama, tomei água, e ele continuou a falar:

- Eu sempre disse a minha filha que procurasse um homem correto, honesto, que a amasse. Você foi o felizardo, meu rapaz. Que Deus os abençoe. Pode beijar a noiva. Agora vão comemorar o noivado.

- Minha filha (disse sua mãe), seja feliz. Para quando será o casamento?

- Por mim, amanhã. (disse eu)

- Por mim, hoje mesmo. (disse seu pai) Já estão casados, depois daremos uma festa para os amigos, sua família...

Naquele momento eu percebi que já estava casado, mas que o soluço iria voltar algumas vezes. Alguma porta ele havia de encontrar para voltar.

INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI
Enviado por INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI em 19/03/2011
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