Uma Mulher
De repente, algo lhe provocou uma gargalhada e ela disse alto, de maneira a ser ouvida por todos, uma longa frase única.
“Se quem tocava violão fosse gente esfarrapada, faminta, sombria, bêbada, de rosto macilento ou embotado, a sua presença ausente talvez fosse compreensível”.
Lembrava-me de uma mulher decaída, e pensava que aquele semblante humano, com um sorriso de culpa, não tinha nada em comum com o que via, se antes eu tivesse visto isto no palco ou lido num livro não acreditaria, mas vejo, logo acredito...
A mulher de orla escarlate no vestido, proferiu alto uma frase ignóbil. Apoderou-se de mim um sentimento de repugnância. Via em seu rosto “embotado” de enfado e saciedade cotidiana vulgar. Olhos estúpidos, sorriso estúpido, voz ríspida e nada, nada, nada mais...
Aparentava-a, que tivera no passado um romance com um velho senhor a que se deflorava todas as noites, em favor de cinqüenta, talvez até sessenta rublos, e no presente não tinha outro encanto na vida além do café, do jantar e do almoço com pratos sujos, do vinho e do sono dormido até as duas da tarde.
Mas, tem-se o que se pode, tem-se o que é digno de ter.
Desde que a vi embriagando-se com um vinho comum e de haurir irônico, pensava eu, a indagar-me: “A mulher era apenas uma mulher, e nada mais, nem olhos, nem lábios, nem margens, nem semblantes”. Não a olharia se não por desprezo e um sentimento sórdido de nojo, que me faria ir ao aposento de banho, expelir, o que sequer era digno de estar à altura daquele escárnio de mulher indiferente as demais...