A DIALÉTICA DO CASAL
Casados há quinze anos, os dois no segundo casamento: ele, um professor aposentado na cadeira de literatura internacional em uma Universidade Pública de renome, perto de completar setenta anos; ela, na ativa, gerenciando uma pasta em um banco nacional, com doutorado em economia, tem quarenta e cinco anos.
Depois de um dia pesado de trabalho para ela, sem que tenha havido muito diálogo depois do seu regresso, especialmente no que se refere a seu trabalho. Ele, na verdade, nunca gostou de discutir sobre economia. Foram se deitar: ele de pijama, calça e camisa; ela com uma camisola de seda verde-água.
Sem muita conversa, ele vai acariciá-la
- Hoje não quero sexo.
- Não quer sexo ou não me quer?
- Como lhe aprouver, aceite. O resultado, para você, será o mesmo.
- Você tem outro?
- Tenho vários que teimam em dormir comigo. Eu não os quero, mas não consigo me livrar deles.
Inicialmente ele toma um susto, mas logo percebe que não é de homem que ela está falando.
- Estes também me perseguem, mas sempre encontram a porta fechada.
- A única coisa para a qual você não fecha a porta é o sexo. Depois dizem que os velhos...
- Eu pensei que você tivesse se casado comigo por eu ser um homem, não que estivesse pensando que fosse uma cadeira de balanço.
Ela fica irritada e levanta-se da cama
- Você não sabe separar as coisas. Todas as conversas têm que terminar na cama para você.
- Não necessariamente. Você sabe que eu sou eclético... (ele está sentado)
- E sua comicidade me dá vontade de vomitar.
- Faça-o, antes que morra asfixiada de infelicidade. Você come os problemas do trabalho, agora aproveite a indigestão.
- Desculpe-me.
- Não é todo dia que estou querendo fazer sexo. Antes fosse. Porém, isto não deixa de querer estar com você.
- Desculpe-me. Meu dia não foi dos melhores.
- Seu mau dia vai dormir na sua cama? Você quer que eu vá dormir no outro quarto?
Diz seriamente e se levanta com o travesseiro.
- Você tem algum livro que eu possa ler? Não estou com sono.
- Que gênero literário você prefere?
- Conto.
- Não tenho nada de novo. Todos que tenho você já conhece.
- Eu queria algo leve.
- Leia a Bíblia. Os Salmos são pura poesia.
- É verdade. Mas fica para depois. Agora que o diálogo retornou, eu quero sexo.
- Eu vou ler Sartre.
Diz e vai procurá-lo na estante.
- Mas você estava excitado!
- Por isso mesmo.
- Existencialismo... Sartre faz qualquer um brochar.
- É um direito. Sua complexidade aguça a inteligência. Nem tudo pode ficar firme; especialmente quando não se quer.
- Depois do dia que tive, só o que me faltava era dormir com a literatura.
- Durma com a religião... pode ser um bom sonífero.
- Não durmo com gênero literário, nem com credo religioso, nem com música... mas sem memória, sem lembranças, sem meditação. Nunca utilizei sonífero algum e você sabe muito bem. Assim é que vem meu sono.
- Você precisa não existir para dormir. O pós-sexo lhe dar essa sensação?
Como não obteve resposta, ela apenas sentiu que não havia colocado o ponto final, ele continuou.
- Por isso você dorme tão rápido depois que transamos. É como o macho da tarântula que foge rapidamente para não ser devorado pela fêmea.
- Nós estamos casados há tanto tempo e eu não sabia que você era tão prolixo no relacionamento conjugal. Esse meu comportamento é espontâneo, não é uma filosofia; não é invenção de nenhum analista, não tem nada a ver com religião. Eu sou eu, autêntica e individual.
Respirou profundamente.
- Pronto! Você expulsou o mau dia da minha cama; agora assuma o lugar dele.
- É uma fuga... ou uma descoberta?
- Não tente encontrar explicações. O sexo também não requer reflexões. Enquanto há amor, o fluxo do prazer é muito mais completo. Que tal trocar Sartre por Sade?
- É um pecado mortal. Eu quero chegar vivo aos noventa. Pensei um poema de Rilke.
Pega um livro que está sobre a escrivaninha, abre-o e começa a declamar enquanto ela vai tirando sua roupa: “Diante de ti levantamos imagens, como paredes...” Ela tira sua calça, ele a ajuda automaticamente, sem desviar os olhos da leitura. Tira sua camisa... “de modo que ao redor de ti mil muros crescem:” Ele já está nu e ela puxando-o por uma mão enquanto a outra segura o livro, terminando o poema: “e assim é que velam nossas mãos devotas/sempre que a ti se abrem nossos corações”. E os dois caem na cama a se beijarem, enquanto ele vai tirando a roupa dela e, nus, se entregam a uma longa cena de amor. Só que desta vez ela não dormiu: suados, foram tomar banho juntos e se a acariciaram por um longo tempo.