A ESPOSA DO SONÂMBULO
Sempre admirei uma pessoa que cuida do seu lar com dedicação. Principalmente no que diz respeito ao ítem limpeza. Afinal, uma casa bem arrumada, limpa, cheirosa é algo que agrada a qualquer visita e aos próprios moradores que nela habitam, uma vez que, para que ela permaneça assim, todos devem procurar fazer por onde conservá-la assim, por que não? Pois o problema da sujeira em si é a sua constante permanência, que vai se acumulando no cotidiano e sempre causando mal-estar a qualquer pessoa.
Mas, por falar em limpeza de casa, assim como tudo que é feito de modo exagerado, atal atitude quando passa dos limites chega a ser até se transformar numa paranoia, enfim, uma doença chata e inconsequente, chegando a ser até irreversível. Há remédios para uma pessoa parar de fumar, beber, de engordar, etc, mas extinguir com o hábito exagerado de limpeza eu nunca ouvi dizer. E sendo assim, sem perceber, tal pessoa pode cometer atitudes constangedoras até com relação a alguma visita inesperada, como por exemplo, aconteceu comigo, quando estive na casa de um amigo.
A esposa dele era desse tipo que sofria de mania exagerada de limpeza. E ciente disto, sempre que eu ia lá, procurava sempre ficar na parte externa da casa, porém quando tinha mesmo que entrar, durante o tempo que ali permanecia, fazia de tudo para não usar o banheiro, para não ter o dissabor de presenciar aquela dona de casa adentrá-lo, logo em seguida, com o intuito de providenciar uma limpeza fantasma, procurando algum pingo no chão, etc. Sem querer falar mal, mas apenas comentando, certa vez, senti na pele o seu ridículo transtorno psicológico quando estávammos tomando algumas cervejas enquanto assistíamos uma partida de futebol na televisão. A pedido do meu amigo, fui tentar mudar de canal, eu disse tentar mudar de canal e ao perceber a minha intenção ao me apoderar do controle remoto, incontinenti, ela me flagrou desfazendo-me do copo úmido com cerveja e foi taxativa:
-Pode deixar que eu mesma mudo de canal. E apoderando-se do aparelho, em segundos, com receio que eu o sujasse. Em seguida se mandou para a cozinha preparar algo para nós.
O meu amigo, envergonhado, apenas resmungou ao meu ouvido algo já com a voz pastosa:
-Não, não liga não. Ela é..é as..sim.. sim mesmo!
-Assim mesmo, como? Tentei disfarçar.
-Do do ente, rapaz!
- Sendo assim é um problema,amigo!
- Problema é é a..apelido. Vo vo cê não sa sabe o o que que
eu passo aaqui. Tem di dia que dá von vontade de de entrar, plantando ba ba nanei..ra. Só só pra pra não por os pés no no chão. E tem tem mais. Não lhe lhe falei a ainda. Mas eu eu sou so sonâm..nâmbulo. Às ve vezes faço coi coisas dormin..do que que até até Deus du duvida!
- Por exemplo?
- Só só pra pra você ter uma pe pe quena noção do do que ela é ca capaz, mo movida por por sua neurose por por limpeza. Certa noi noite, ao ao perce ceber que que eu me aproximei do guarda-roupa, ela ela foi na área de de ser serviço, se segundo a a própria me me contou depois e se se pre precaveu de ro rodo, pano mo molhado, lus lustra móveis e sa sabe o que e ela fez? Ad adivinha?
- Não tenho a miínima ideia.
-Apro aprovei tou que eu, no au auge do sonambu bulismo con consegui afas..tar aque..le mó móvel co como se es estivesse procuran rando algo pre precioso...
- E aí, o que ela aprontou?
-Ora, imedi diatamente ela de ma nei neira eficaz e rá rápida lim limpou, es espanou to toda a parte de trás do guarda-rou roupa e de depois fi ficou torcendo que que eu o o colocasse na na posição em em que estava an antes...
-E você o fez?
-Fiz fiz uma uma ova! Quan quando eu acordei de ma manhã esta tava aquele cheiro de lus lustra móveis no no ar e aí ima imaginei o que eu tinha feito quan quando es estive dormindo, ven vendo aquele móvel fo fora de de lugar.
E enquanto abrimos e tomávamos outra cerveja ele me contou que teve outra ocasião, durante outra crise de sonambulismo a procurou e tentando uma relação sexual sem muito êxito, pronunciou sem querer o nome de outra mulher. E aí, segundo o mesmo, foi aquele Deus nos acuda. Embora acordado e tentando tirar aquela ideia maluca da cabeça da esposa e agora querendo mesmo ter uma relação consciente, tudo foi por água abaixo, literalmente. Ficou na mão, como se costuma dizer numa situação assim.
E só pra provocá-lo, uma vez que a bebida já estava mesmo fazendo efeito soltei esta:
-Mas também não é pra menos, rapaz. Você fazendo amor com a sua esposa e pensando alto na amante, o que você queria?
-Olha, vo você tá tá deduzindo tu tudo erra..do!
Neste ínterim a mulher dele adentrou de repente na sala para avisar que a refeição estava servida e nos pegou dando risadas exageradas. E sem ao menos desconfiar que ela era o pivô de tudo aquilo, simplesmente falou:
- Pelo que estou percebendo, a bebida já está fazendo efeito. Pois já devem estar falando mal da vida alheia, contando abobrinhas!...
Ao que ele apelou sem pensar:
-Oh a amor, vo você se se conside dera uma abobrinha?
- O quê? Você está falando da minha pessoa? Em seguida pôs as mãos na cintura, em sinal de desafio.
- Por favor, minha senhora, não estávamos comentando nada de mal não! - Tentei colocar panos quentes naquele impasse.
-Eu espero! por que deste aqui eu não ponho muita fé não. Eu não duvido nada. Principalmente quando tomas umas e outras e começa a se lembrar e falar muita besteira.
-Bestei teira não é? Mas, quando me me levanto à noite e arrasto mó móveis pa para vo você sa ma matar sua sua mania de de limpeza vo você acha é bom, não é?
-Cala essa boa, zé mané, pelo menos só faz alguma coisa de útil quando está dormindo mesmo!
-In inclusi sive na na ho hora do bem bom...
-E não tem nem vergonha de falar alto o nome dessas vadias da vida. Por exemplo, uma tal de Leninha...Pensa que eu esqueço?
-Opa, espera aí. Eu tenho uma irmã solteira que tem esse nome e ela não é esse tipo que a senhora falou não. É uma moça direita, entendeu?
-Desulpe, moço, ela pode ter esse mesmo nome, mas deve ter outro caráter - desculpou-se sem graça a mulher do meu amigo.
E neste ínterim ficamos sem clima para comer alguma coisa. O meu amigo se levantou cambaleando e se dirigiu ao seu quarto. Ao que sua mulher logo falou:
-Esse aí agora só acorda só amanhã.
-Nem pra comer nada? Perguntei maliciosamente.
-Até que ele come, só não gosto quando ele mistura as coisas.
-A senhora está se referindo ao arroz, o feijão e carne?
-Nada disto, moço, é quando ele vem pra cima de mim dormindo e fala o nome de outra mulher.
-Neste caso a senhora poderia perdoá-lo. Afinal ele é sonâmbulo. Faz e fala as coisas sem perceber, inconsicentemente.
-Tudo bem, ele realmente é isso aí que você falou, só que a "euzinha" aqui não é nenhuma trouxa não, tá entendendo?
Após essa, procurei sair dali sorrateiramente. Preferia deixar o meu carro na garagem da casa do meu amigo e peguei um táxi. Pois como diz a propaganda: "Se beber não dirija!" E foi o que fiz.
João Bosco de Andrade Araújo