::: Na chuva, Me aqueça!:::
O dia ensolarado aos poucos foi perdendo a energia, a luz. O céu, antes tão azul, descoloriu a cada pensamento meu. Eu, sim, uma carcaça humana vagando pelo piso frio da minha casa, sem alma e nem coração. Minhas mãos pintavam a parede de desilusão, meus dedos percorriam as brancas e nulas paredes do corredor que não levava á lugar nenhum. O relógio na cozinha tictaqueava num ritmo imcompreensível como se os ponteiros não quisessem sair do lugar. Eu sentia minha vida por um fio, um fio que estava tendo um fim.
O telefone tocou, senti meu corpo mover músculo por músculo, chegar até o telefone parecia impossível e doloroso. Era como se milhões de agulhas penetrassem por minha epiderme, fazendo-me suar. As gotas de suor pingavam de meu rosto e molhavam a mesinha onde, num súbito movimento, atendi o telefone.
-Como assim? Você não pode me deixar... Faça o que quiser, não irá ficar com nada que é meu. ENTEDEU? NADA! Você pode destruir minha vida, mas nem que eu vá para o inferno, não deixarei nada para você!!!
Minhas veias fervilhavam o sangue que insistia em bombear meu coração. Uma bomba-relógio jazia em meu peito cansado e pulsava como um vulcão prestes a entrar em erupção. Me encostei na parede e fui escorregando com as costas rentes a ela. Num segundo, estava sentado no chão daquela imensa sala vazia, a casa parecia maior no silêncio de minha vida fracassada. Minha família se auto-destruiu aos poucos. Já sem mulher, sem filhos, porque minha arrogância não me permitiu tê-los. Eu já não tinha ninguém, absolutamente ninguém.
Eu rodeava pela casa a procura de que alguém me salvasse daquela escuridão imponderável que havia se formado bem acima de meus olhos perdidos e vagos. Sem pensar em nada, peguei as chaves do carro e saí sem rumo pelas ruas da cidade.
Passei em frente a uma grande casa cercada de muros altos e portões de grades escuras que me permitiam ver jardins maravilhosamente cuidados. Uma ponta de esperança e dor enxeu meu coração vazio e despedaçado. De repente, parei o carro e desci. Permancei ali em frente a grande casa, olhando o jardim. Senti uma lágrima se derramar de meus olhos.
Eu precisava vê-la. O céu nublado desabou sobre mim, a chuva estava fria como meu coração. Regavam meus olhos que misturavam lágrimas e chuviscos. Caminhei em passos lentos rumo ao portão principal que estava aberto. Entrei e senti meu coração batendo forte, pela primeira vez em vinte sete anos.
Ao longe, eu a vi. Estava linda, como sempre foi. Seus cabelos encaracolados bailavam junto com o vento e ao me aproximar pude sentir seu perfume numa fragância única e somente dela. Era ela que me fazia sentir vivo. Era ela que fazia meu coração bater. Era a primeira vez que eu a via depois que a levaram e eu virei as costas, sem ao menos escutar seus lamentos, seus pedidos para que ficasse ali com ela.
Ao me aproximar, ela me notou. Deixou cair de seus olhos um lágrima reluzente e num gesto sutíl, sorriu. Não suportei, desabei em soluços e choros incontidos. Ela estendeu sua mão e me puxou para perto, recostou minha cabeça em seu peito e passou as mãos por meus cabelos desgrenhando-os. Eu, um homem de vinte e sete anos me sentia uma criança, uma inocente criança que chorava sem saber o que fazer.
Ela me acolheu em seus braços e me pôs em seu colo. Me sentia puro e amado como jamais havia me sentido, ainda assim, culpado por tê-la deixado. A chuva caí, ela me aquecia e juntos chorávamos. Eu, um homem formado, apenas queria permanecer ali e ser embalado como uma criança de colo. Suavemente ela me disse:
-Vai ficar tudo bem, meu amor...
E aos soluços falei:
-Perdoe-me, mamãe!