O MENDIGO

Um homem rico resolve se vestir de mendigo e sentar nas calçadas a pedir esmolas por um dia inteiro. Se comportará como um ator, mas não usará máscara interior. Estará sendo filmado durante todo o tempo. O que for arrecadado será doado para alguma instituição de caridade. Irá observar o comportamento das pessoas diante de uma linguagem diferente.

Chega cedo, escolhe um lugar onde nunca tinha visto ninguém sentado a pedir esmolas. Observa o local, estaciona seu carro em lugar próximo.

Já combinado com o dono do estacionamento, pedindo sigilo total, ele se veste de mendigo e se dirige para o local dantes escolhido, tentando não deixar transparecer nada. A única coisa que não mudará é a linguagem; esse é o ponto de observação. Acomoda-se, seguindo as observações que fez dos mendigos que ficam sentados em um lugar fixo, expõe seus objetos e suas feridas, feitas com cuidado para não parecer artificiais, e começa a pedir.

Os textos não foram decorados. Apesar das observações, ele resolvera fazer seu próprio discurso, como a testar o que mais atrai os transeuntes. Sendo um homem letrado, de discurso lapidado, começa seu dia de pedinte:

- O que parece ser pouco para vocês, será muito importante para matar minha fome. Dê-me, bom senhor, uma moeda para eu comprar um pão, ainda não tomei o café da manhã.

Era um pedinte já idoso, nunca antes visto a pedir esmolas pelas calçadas da cidade e estava naquele ponto pela primeira vez. Os mendigos são éticos, não invadem o espaço uns dos outros: se um chega primeiro a um lugar, aquele lugar passa a ser dele. Por isso ele escolheu aquele ponto. Suas vestes eram de um colorido artístico, festivo. Aparentando uns sessenta anos, meio sujo, rasgado, aquele mendigo chamava a atenção dos passantes pelo seu palavreado, sua linguagem que em muito era diferenciada dos demais pedintes: fácil expressão e apuro gramatical. Apesar do estado das roupas, o tecido também não era comum.

- Podem rasgar suas Bíblias, esqueçam suas lições religiosas, aliviem suas consciências; não precisam buscar filosofias para essa atitude, apenas pensem que estou com fome. Deus não vai dar nada a vocês, apenas eu serei alimentado com sua presteza, por sua bondade. Vocês não estão emprestando nada a Deus, apenas dando a mim que preciso de sua ajuda. Sou um pobre a passar fome. Ninguém precisa de religião para ser bondoso; essa é uma filosofia falsa, hipócrita. Eu estou com fome. O benefício de vocês a servir ao outro, ao próximo.

De fato, ele parecia mesmo esfomeado. Ninguém ousava parar para enfrentá-lo, olhar nos seus olhos. Todos estavam muito curiosos: passavam lentamente, voltavam logo pelo mesmo lugar, mas não ousavam olhar para ele, fixamente; também não davam esmolas. Talvez temendo uma resposta à sua atitude, um questionamento. Era medo mesmo. Ao menos era o que parecia ser.

Ele não estava pensando como um homem rico, mas como um mendigo, talvez por que estivesse mesmo com fome. Não lembrava que estava sendo filmado.

Depois de um dia de sol escaldante, já cansado de tanto falar, apesar da colocação correta da voz, excelente entonação, fruto de um trabalho fonoaudiológico, sem ganhar nenhuma moeda, as pessoas precisam sentir a humilhação, ver o outro no chão, carente em todos os sentidos, ele ia levantando-se, já certo da importância de um estilo próprio para atrair os transeuntes, quando passava um casal com uma criança de uns cinco anos de idade, com um bombom na boca e carregando mais dois na mão esquerda; sua mão direita estava sendo segurada pela mão do seu pai. Ele fixou bem o olhar nos olhos do mendigo, a ponto de parar seu pai. O Mendigo, que no momento ia se levantando, sem dizer nenhuma palavra, voltou a se sentar e ficou a olhar para o garoto, cujos pais estavam tentando levá-lo dali. Depois de algum tempo, a criança falou (com o bombom na boca):

- Tome um bombom, senhor. Pois eu tenho dois na mão e só tenho um irmaozinho em casa.

Estendeu o bombom para o mendigo, que pegou emocionado:

- Este velho mundo pode ter jeito. Minhas esperanças não morreram.

Os pais do garoto brigaram com ele, sem olhar para o pedinte, e saíram puxando-o, quase a arrastá-lo. Depois que saíram, o mendigo levantou-se, botou o bombom na boca, se ajeitou, fez um rápido alongamento (foram muitas horas sentado com pouco movimento), botou a mão no bolso, pegou a chave do carro e foi a um estacionamento perto dali.

Andando ainda meio trôpego pelo tempo que passou sentado, saiu o mais rápido possível para não chamar a atenção.

Entrou no estacionamento, pagou o bilhete, entrou em seu carro e ficou a pensar que talvez sua linguagem rebuscada tenha intimidado as pessoas, elas pareciam se sentirem humilhadas ao invés de ver uma pessoa humilhada a pedir. “Aquele garoto... dos tais é o reino dos céus... será um grande homem”.

Muito cansado, chegou a cochilar sentado no carro. Despertou, espantou os pensamentos e seguiu para a vida real, certo de que não seria sua vida mais a mesma depois daquela experiência. Nem mesmo lembrou que estava sendo filmado.

INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI
Enviado por INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI em 10/03/2011
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