SILÊNCIO DO LEITOR

Luiz Celso de Matos

Glauco morava em Curitiba num bairro classe média, relativamente tranqüilo.

Como de hábito, acordou bem cedo. Sua esposa ressonava calmamente. Docemente beijou-lhe a fronte, sentou-se a borda cama e, crente, fez respeitosamente o sinal-da-cruz. Ao longe distinguiu o som de um alarme de carro. Não era um barulho muito incomum.

Após a higiene pessoal, dirigiu-se à cozinha, apanhou da geladeira o litro de Iogurte desnatado, um copo, guardanapo, algumas bolachas de água e sal e foi ao seu recanto favorito: seu pequeno escritório. Cada vez que entrava naquele recinto, tinha uma irresistível necessidade de saudar seus livros emprateleirados, dispostos de uma forma exemplarmente organizada. Era um bom-dia quase sussurrado. Seu quarto era contíguo ao escritório. Tinha medo de acordar Graziela. Mas cumprimentava com um olhar vivaz de uma criança que revê seu brinquedo preferido e muito amado.

As duas coisas que mais amava na vida, eram seus compulsados livros e a esposa Graziela, esta, sua companheira de mais de quarenta anos. Com relação aos seus livros ele dizia que em termos materiais, possuía uma pequena fortuna aplicada naquelas obras literárias científicas e artísticas de vários gêneros. Porém, o valor estimativo dessas, era de um tesouro incalculável. Sua predileção de leitura era pela prosa. Muitas obras ele já tinha lido mais de uma vez. Buscava autores que conseguiam transpor na escrita, situações imaginárias de uma forma tão clara e precisa que parecia ser uma espécie de autobiografia do escritor. Vibrava com os episódios. Detestava alguns textos muito rebuscados. Mas conseguia respeitar os trabalhos desses autores. Acreditava que muitos personagens dos escritores, de uma forma ou de outra existiram, não tão somente na imaginação do autor, mas sim, ao vivo e a cores.

Após apreciar a cada livro exposto, sentava-se em silêncio em sua aconchegante e confortável poltrona de couro e tomava seu lanche matinal. Após, quase que por instinto, relaxava todos os músculos do corpo, o som quase inaudível de um clássico cooperava para esses instantes de meditação. Era o momento que ele fazia viagens inacreditáveis, impulsionadas pela endorfina. Sentia ausência de qualquer desconforto físico ou mental. Nesses momentos, procurava e encontrava o som do silêncio; procurava e encontrava as cores; procurava e encontrava respostas; procurava e encontrava a felicidade; procurava e conseguia encontrar-se consigo mesmo. Descobertas mágicas, únicas e indescritíveis. A sensação singular que sentia era de um nascituro que estava sendo gerado com alta qualidade de vida, sentindo os calmantes afagos das mãos de sua mãe sobre o ventre. Quando despertava dessas elucubrações, sentia a sala de comando do seu QG, limpa de qualquer pensamento perturbador. Aí vinha uma necessidade imperiosa de escrever qualquer coisa. Escrevia, lia, relia e guardava seus escritos. Levantava e apanhava sua última compra literária para ler.

Pensava um dia submeter seus escritos para alguém que pudesse lhe dar uma resposta bem sincera sobre eles mas, em sua opinião, a literatura, antes de ser produzida, deve ser, preferencialmente, consumida. Na realidade ele ainda lutava com a insegurança típica dos que se acham simples escrevinhadores.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 06/03/2011
Código do texto: T2831582