ESTRANHO ALÔ

O telefone toca, ele atende sonolento:

– Alô...

Do outro lado da linha, uma voz de homem:

– Tá pronto pra morrer?

– O quê...?

A voz repete:

– Tá preparado pra morrer?

– Quem fala?

Cai a ligação. Ele volta para a cama xingando esse pessoal que não tem o que fazer e fica ligando para a casa dos outros no meio da madrugada.

– Quem era?, pergunta sua mulher...

– Foi engano. Volte a dormir.

Ela dorme logo, mas ele não consegue mais...

Quando o dia amanhece, seus olhos ardem quem nem pimenta malagueta.

Toma um banho frio, beija a esposa e vai para o escritório.

– O que você tem, Miguel?, pergunta Egídio, seu colega, assim que ele entra.

– Como disse?

– Você tá um trapo, cara!

– Dormi mal, só isso...

Ele passa toda a manhã numa gastura danada...

No almoço, sente uma embrulhância no estômago na primeira colherada.

No fim da tarde, seu chefe o chama no escritório dele. Parece apreensivo.

– Miguel, você é um dos meus funcionários mais antigos, é a bem dizer meu amigo... Vou lhe fazer uma pergunta e quero que você me fale a verdade... somente a verdade, certo?

– É sobre o meu desempenho esta manhã, seu Rui? Olhe, o senhor me desculpe, é que esta noite eu não dormi direito e...

– Não, não é sobre isso...

– Então o que é?

– Você é casado, não é?

– Vivo com a Neide... Separei da primeira tem uns dois anos, o senhor sabe...

– Pois sim, sem querer ser indiscreto... O motivo da separação de vocês, por acaso, foi traição?

– Não, seu Rui... é que não estava dando certo, entende?

– Entendo!

– Por que o senhor tá me perguntando isso?

– Bem, não sei como te falar isso... Bom, vamos lá: o que você faria se descobrisse que a Neide, sua mulher, andava te traindo?...

– Eu não faria nada, seu Rui. Deixava ela seguir o rumo dela e ia seguir o meu.

– Isso, Miguel. É assim que se fala! Obrigado. Agora volte pro seu serviço...

À noite, ele comenta com a Neide sobre a pergunta esquisita do patrão.

Ela sorri:

– A mulher dele deve tá corneando ele, só pode!

...

Dias depois, madrugada...

– Alô...

– Tá preparado pra morrer?

– Quem tá falando aí?

– Seu chefe, não tá reconhecendo a voz?

– Seu Rui...?! Mas o que o Senhor...?

Cai a ligação.

Na manhã seguinte, ele vai ter com o pilantra:

– Seu Rui, no mínimo eu exijo de uma explicação!

O velho começa a chorar. Diz, gaguejando, que está apaixonado por sua esposa...

– A Neide? Mas... de onde vocês se conhecem?!

– Ela trabalhou um tempo lá minha casa... Foi babá do Juquinha, meu filho do meio. Aí naquele dia eu liguei pra lhe dar aquele recado das promissórias do Valfrido, lembra?

– Lembro!

– Pois é... Aí ela atendeu, eu reconheci a voz... E agora não paro de pensar nela! Liguei pra lá umas vezes, mas ela desliga na minha cara... Então eu queria lhe propor um negócio, Miguel... Quanto você quer pra deixar a Neide? Pago uma boa quantia!

Ele voou em cima do coroa e, se não fossem os outros empregados, teria esganado o sacana.

Saiu de lá chispando, enquanto ouvia a voz tremida do velho, aos prantos:

– Oh, meu Deus! Por quê?... Por quê?... Por quê?...

Chegando em casa, perguntou à mulher por que ela não havia lhe contado nada.

– Desculpe, meu amor. Não fiz por mal. Aquele velho não passa de um idiota, nem levei a sério o que ele dizia!

...

Naquela mesma noite, o telefone toca no horário das outras duas ligações...

Ele atende furioso:

– Olha aqui, seu...

– Oi, filho, desculpe eu te ligar tão tarde, mas é que eu tive um sonho ruim com você e a Neide e fiquei preocupada... Tá tudo bem com vocês? Miguel?...

Hélio Sena
Enviado por Hélio Sena em 04/03/2011
Reeditado em 04/03/2011
Código do texto: T2827357