Conto selênico
Bem no horizonte, a nuvem escurecida do crepúsculo iluminou-se de repente, dando uma inesperada beleza a seus contornos incertos de figura fantasmagórica; e, por detrás dela, emoldurada por dois altos coqueiros, revelou-se aos poucos aquela meia lua imensa, de um alaranjado surpreendente, irreal e fascinante, fazendo-se refletir gloriosa na água calma da represa.
Iniciou-se então o balé, a brincadeira, o jogo de sedução entre lua e nuvem: ora o satélite se ocultava, pudico; ora surgia resplandecente, clareando o céu em torno. E assim se alternavam, nuvem e lua, lua e nuvem - claro e escuro, escuro e claro - elevando no horizonte uma performance especial de uma noite de verão para um público restrito: uma platéia de dois fugitivos da humanidade.
A mais de trezentos mil quilômetros, dois pares de olhos encantados deixavam-se seduzir pela sensualidade do espetáculo no céu. Envolvidos e erotizados, aqui embaixo também eles aproveitavam o clima de romantismo daquela noite mágica, protagonizando suaves preliminares: taças brindavam, pés se roçavam, lábios se tocavam, mãos se afagavam...
Num dado momento, resolveram oferecer à lua e à nuvem uma homenagem em agradecimento ao espetáculo a eles destinado. Porém, ao entrarem no quarto, mudaram de ideia: egoisticamente, cerraram a veneziana...
...e o espetáculo humano ficou restrito a quatro paredes, que não tinham olhos para ver.