Vingança
-Mais uma dose.
Foi o que eu disse ao barman as 23:25 da noite. Naquele chuvoso sábado, o bar estava quase vazio, exceto por um gordo de aparência medonha e um embriagado que estava dormindo no balcão.
Eu não estava bêbado, e nem podia estar, eu me mantinha sóbrio desde o começo da semana, vinha aqui e tomava apenas alguns copos, quando sentia que estava me alterando eu parava e fumava um cigarro olhando para a rua. Sempre chegava no mesmo horário e só saia quando o bar fechava. O Barman uma vez me perguntou por que fazia isso todas as noites, se eu não tinha família ou algo do tipo, e sem olhar para seu rosto estendi uma nota de 50, deixando para ele o troco.
Aquela noite estava chovendo muito forte e mal podia ver o que se passava do lado de fora da porta, mas mantinha meus olhos atentos a qualquer movimento lá fora, algo me diz que ele passaria essa noite, tem que passar. Eu o vi a mais ou menos duas semanas, estava tomando uma cerveja quando ele passou, reconheceria aquele rosto e aquele chapéu em qualquer lugar, aquilo me deixou louco, ansioso, tinha que falar com ele, tinha que saber por que.
O bêbado caiu da cadeira com um baque surdo no chão e o garçom se apressou para levanta-lo e manda-lo embora, não fazia o mesmo comigo e com o gordo, porque sabia que pagávamos a vista, ajeitei-me na cadeira e a pistola incomodou-me nas costas, sentei confortavelmente e a cobri com a camisa, era uma herança do exército, uma bela herança por sinal.
Ela é um modelo bonito, uma 9mm de cartucho cheio, e vivia, assim como uma bela faca que ganhei de presente, em cima da mesinha da sala, onde mantinha alguns jornais( sempre os mesmos) parados, evitando que o vento os levasse embora.
Finalmente ele apareceu, já passava da 00:00 quando ele passou na porta..vestido de capa de chuva e de chapéu, aquele maldito chapéu, me levantei e deixei o dinheiro no balcão, saindo na chuva para o seguir.
Mal dobrei a esquina o visualizei de longe, lá estava ele, mãos nos bolsos e andar esquisito, acelerei o passo para alcançá-lo. Aqueles passos, malditos passos, levavam em seu arrastar de pés o sangue da minha família.
Mesmo durante a chuva, a neblina densa das memórias se formou diante dos meus olhos.
Alice era uma mulher doce e meiga, sempre preocupada comigo e com o João Paulo, uma encantadora mulher e bela dona de casa, boa comigo em casa e boa comigo na cama, não tinha o que reclamar ou me queixar, meu filho... Ah meu meninão estava grande e forte, 8 anos já jogava bola como um crack, estávamos todos bem..ate o acidente, eis os títulos das manchetes dos jornais:
Assaltante mata mãe e filho em uma tentativa de fuga da policia.
“Nesta terça-feira houve uma tentativa de roubo no banco local. O assaltante Fabio Lima rendeu o segurança do banco e obrigou aos funcionários colocarem em um saco plástico todo o dinheiro do caixa, pois a trava do cofre era eletrônica e só abre na data e hora correta. Com o barulho das sirenes o assaltante foi alertado da chegada da policia e tentou fugir e um Corsa de cor preta, mas ao entrar na avenida principal atropelou e matou a pedestre Alice dos Santos e seu filho de 8 anos João Paulo dos Santos, apesar da grande perda e o infeliz acidente, o incidente ocorrido fez com que acontecesse a prisão do bandido, que foi levado para 14° Distrito da policia federal.”
Logo acima havia uma montagem da foto do assaltante preso e dos dois corpos cobertos no chão, a outra manchete era mais ou menos assim...
O Povo Exige Justiça.
“Na manha desta quinta feira, ocorreu o julgamento de Fabio lima, ele foi preso na tentativa de assalto ao banco local e pela morte de duas pessoas em sua tentativa de fuga, o tribunal essa manha ouviu a sua defesa e de forma ainda que não foi explicada, o réu foi absolvido de suas acusações e desceu as escadarias do tribunal acompanhado do seu advogado, o senhor Carlos de Araújo que tem forte influencia no tribunal. A população não se conforma com o fim do caso e exige justiça, logo a baixo está à declaração de alguns cidadãos sobre o caso.”
O resto do jornal só continha algumas entrevistas e propagandas, com isso a neblina se dissipou.
Quando dei por mim ele tinha desaparecido, acelerei o passo quase correndo para tentar encontra-lo, duas ruas a frente o encontrei, estava se protegendo da chuva em um beco, em baixo da puxada de um prédio.
Aproximei-me cautelosamente, não queria assusta-lo, encostei-me a ele como alguém que queria se proteger da chuva, ele ate se afastou pro lado como para dá espaço para mim..pobre tolo, aquele ato garanto que me deu ate um certo momento de compaixão, mas olhar aquele chapéu, aquele rosto, a raiva subiu-me novamente a cabeça, o acertei com um cruzado de direita antes que tivesse alguma reação.
A chuva estava bem grossa, quase não se podia ver nada, e o efeito do soco em seu rosto me lembrou daqueles filmes de boxer como os Rocky Balboa, eu me senti nas nuvens. Ele cambaleou e antes que pudesse se levantar o acertei com um chute, o fazendo cair no chão, o próximo pontapé foi em sua mandíbula, acho que a quebrei, coloquei muita força no chute, que se dane, ele merecia, ele rolou olhando para cima semi-inconsciente.
Puxei a arma, não queria demorar, mas o olhei engasgar com os dentes um pouco, sorri e me aproximei colocando a arma em sua cabeça.
-Lembra-se daquela mulher e filho que você atropelou? Creio que não, deve esta curtindo sua liberdade nas orgias, mas irei refrescar-lhe a memória, veja!.
O mostrei a foto dos dois, ele olhou com dificuldade e começou.
-Não..Não..Nunca vi eles, me deixe ir, tenho família.
-Tem família? Tem família? EU TINHA UMA FAMILIA E VOCÊ SEU FILHA DA PUTA, VOCÊ TIROU MINHA FAMILIA.
Ele tentou se levantar, mais um chute serviu para coloca-lo no devido lugar, ele tentou falar algo que só compreendi em parte, a chuva estava forte.
-...Eu juro, não matei ninguém, eu ....lho, só quero chegar em casa, por favor me deixe ir, minha família me espera.
-Eu também os esperava.
-Não, por favor, não.
BANG, o tiro foi abafado pela chuva, fiquei contemplando o sangue escorrer do seu lóbulo e seguir pela corrente na rua, contemplei com certa felicidade no peito, certo alivio, e certo terror de ser pego. Ouvi uma janela se abrir e sai antes que pudesse ser flagrado, corri para casa o mais rápido que pude.
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Em casa, me sentei no sofá, com as mãos na cabeça pensando. Eu fiz, eu fiz o que devia fazer, mas, e se eu for pego? E se não, isso esta me enlouquecendo, o que eu vou fazer? Não posso ficar assim, eles irão perceber que fiz algo, mas como não fazer, ele matou minha família e saiu impune, eu tive que fazer, eu fiz, preciso colocar isso para fora, onde esta meu diário, cadê o meu maldito diário.
Por fim o encontrei escondido entre livros, o abri, era preciso escrever, passar para o papel minha angustia antes que a gritasse para fora do meu pulmão e alguém ouvisse.
“Querido diário, eu fiz de novo, eu sei que devia ter parado, mas como pararia, a raiva me consome como chamas, ele tinha a cara dele, ou era muito parecido, ou pior, talvez nem fosse, ele usava o mesmo chapéu que o desgraçado na noite que o matei, isso que deve ter me cegado, isso, isso a culpa é do chapéu, se ele não estivesse usando poderia estar vivo agora. Eu quero parar diário, juro que quero parar, mas o que eu faço? Algo me diz que minha vingança não está completa, falta algo, algo que faça minha alma se senti vingada, eu o matei, mas ainda não me sinto satisfeito, se ele tivesse ficado preso talvez não estivesse com sangue nas mãos agora. Com esse são quantos? 6,7? Perdi já a conta, o que eu tenho que fazer? O que, o Deus porque não o deixou lá preso? Apodrecendo enquanto eu o matava por pensamento, e não com minhas mãos, de quem foi à culpa de meus crimes..de quem?”
Uma luz repentina iluminou meus pensamentos, a imagem me veio há cabeça e minhas respostas foram esclarecidas, só precisava fazer isso mais uma vez e minha vingança estaria completa e então poderia viver em paz, escrevi apenas uma coisa depois da interrogação.
“O advogado.”