ORA, BOLAS

Apesar dos protestos da mãe, Tereza saiu correndo quando ouviu a aproximação do carro.

O som no autofalante anunciava que se trocava qualquer coisa de metal por uma bola colorida.

Tereza já havia reservado sua panela. Mantivera-a escondida uma semana debaixo da cama, tomando sempre o cuidado para que sua mãe não encontrasse quando viesse limpar o quarto.

Quando a mãe percebeu que Tereza corria com a panela que lhe faltava na cozinha, já era tarde para impedir.

Correndo junto aos meninos, Tereza adquiriu uma bola em troca de uma panela. Levou um puxão de orelhas quando voltou para casa, mas não ficou triste. Ficaria com a bola mesmo com o aborrecimento da mãe.

Era difícil sair à rua porque a mãe não permitia que ela brincasse com os meninos. A mãe dizia que aquilo era brincadeira de menino e que meninas não brincam com meninos, tampouco de bola.

Tereza queria brincar de bola. Queria brincar com os meninos porque era mais divertido que ficar em casa aprendendo a ser mulher. Não se conformava com a diferença entre o modo de brincar. Enquanto os meninos corriam e subiam em árvores, ela precisava tomar cuidado ao se sentar. Não queria saber de ter filhos. Arrancava a cabeça e os membros de suas bonecas na menor menção a crianças, quando tinha de aprender — por insistência da mãe — a ser mulher. Afinal, já tinha treze anos.

À medida que Tereza crescia, suas brincadeiras com os meninos se tornavam inconvenientes. Não convinha à mãe que a filha continuasse em companhia de garotos.

— Menino nessa idade começa a não prestar!

— Eu não me importo! — respondia Tereza.

Um dia Tereza voltou para casa com marcas de mordidas nos braços. A mãe perguntou do que se tratava, mas a menina não contou.

A mãe sabia que Tereza não ia contar. Sabia muito bem o que acontecera, embora sempre tentasse prevenir, avisar, mas era irremediável brincando com meninos. Tereza já tinha peitos e continuava brincando com meninos que não deixariam de notar que ela crescera. Um dia tudo passa da conta, apesar de sempre tentar prevenir.

Tereza era desobediente, cheia de si, não ouvia ninguém. E o pai era ausente. O pai não ligava quando, à noite, chegava do trabalho. A missão de zelar pela filha fora incumbido à mãe. Ela devia botá-la nos trilhos, conduzi-la a uma vida honesta.

— Quero conversar com você, Tereza!

Tereza não queria conversar porque sabia o que a mãe ia dizer. Sempre dizia as mesmas coisas que nem valia a pena escutar.

— Não mãe, eles não me comeram!

A mãe ficou horrorizada porque Tereza nunca se expressara daquela maneira. Mas era esse o resultado da convivência com meninos. Expressões como estas saem somente das bocas dos meninos. Por isso é que ela não queria que a filha andasse com eles. Surgindo com mordidas.

Mas não haviam comido Tereza! Era um alento, mesmo que não fosse o melhor jeito de saber, de escutar.

— Mas então a que se deve a mordida?

— É o corpo-a-corpo, mãe!

— Mas você disse que...

— Não mãe, eles não me comeram! É o futebol, o corpo-a-corpo. Eu perdi, então briguei!

— E isso é coisa de menina?

— Agora sei que não é! Satisfeita?

— Por que apanhou, não é?

— Não! É por que o gosto é ruim, por que a cabeça é mais difícil de arrancar, por que os braços só saem do lugar usando uma serra. Por que me chamaram de mamãe! Por isso ainda é melhor ser menina, brincar de boneca. Brincar de Jason, de filme de terror, dá muito trabalho, suja, e eu nem tenho uma máscara!

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 18/02/2011
Código do texto: T2799701
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